sábado, março 05, 2022

Nascer em Auschwitz

 

Este é daqueles filmes, que nos conseguem surpreender por saírem daquilo que deles se espera e tornarem-se em algo de muito diferente, sem daí resultar a conclusão se terá ou não valido a pena essa novidade.

À partida temos a história improvável, mas real, de uma judia de origem húngara sujeita a experiências do sinistro Josef Mengele, mas dele consegue esconder a gravidez até a ver culminada num parto clandestino, quando estava iminente a chegada das Forças Aliadas.

Angela Oroz não conheceu o pai e, apesar da fome, do frio e do medo que a envolveu nos primeiros dias, conseguiu singrar e tornar-se numa mulher forte, capaz de notável resiliência perante as adversidades, quer as conhecidas no país natal sob o regime comunista, quer já na América para onde conseguiu emigrar nos anos sessenta.

A história em si não acrescenta nada que não soubéssemos sobre o Holocausto, mas poderia cingir-se ao seu regresso a Budapeste para mostrar à filha o apartamento onde morara ou à mútua descoberta de Israel confraternizando com soldados a quem agradeceu o empenho na salvaguarda de um país, que tem por contraponto a difícil sobrevivência dos palestinianos.

É quando os realizadores - Eszter Cseke e  András Takács – mudam de foco para centralizarem-se em Kati, que ficamos perplexos com o que descobrimos: ao contrário do que imaginávamos, entre Ângela e a filha não existe qualquer empatia, até por aquela se ter tornado agnóstica em contraponto com a jovem mulher, que aderiu entusiasticamente ao judaísmo mais ortodoxo, vestindo-se física e mentalmente enquanto tal. Assistimos então a uma insuspeitada agressividade da filha em relação à mãe acusando-a de lhe ter transmitido os traumas contraídos na primeira infância, obstinando-se em educa-la de forma a que pudesse sobreviver a qualquer dificuldade. Isso significou faltar-lhe no afeto, que entendeu prova de fraqueza para a qual ela não deveria sujeitar-se. E, no entanto, Kati não pretenderia outra coisa...

O que fica em aberto é a possibilidade de haver uma transmissão genética dos traumas, que tenda a prolongar-se por mais do que uma geração. Por isso mesmo a grande preocupação de Kati é poupar aos filhos esse legado, mesmo recorrendo para tal a um paliativo, que não posso aceitar como eficiente. Porque não vejo na religião a resposta positiva para o que quer que seja. 

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