quarta-feira, março 16, 2022

Jack Kerouac à procura das raízes

 

Foi um encontro perturbador o de Jack Kerouac com Brest, quando ali chegou numa tarde de 1965, e descobriu uma cidade inteiramente reconstruída depois da quase total destruição da Segunda Guerra Mundial, povoada de gente fardada, porque aquele finis terrae  fora escolhido pelo governo francês como importante base militar.

Procurando livrar-se da asfixia, o viajante solitário, subiu às alturas da cidade, enfrascou-se num bar e, às três da manhã, ao porem-no na rua, sem sítio onde pernoitar, assustou-se com as sombras, adivinhou ameaças a cada passo. Impensável para quem se pretendia irreverente, foi bater à porta de um comissariado de polícia em busca de ajuda. Que lhe foi dada, porque logo lhe encontraram cama disponível num albergue.

Quatro anos faltariam para a sua morte, mas Kerouac fora ali buscar resposta para as suas origens. Nos primeiros anos de vida falara exclusivamente francês, porque nascera numa família do Québec, que reivindicava-se descendente de um aristocrata desta cidade bretã onde então se via. Para concluir, nos dias seguintes, que a memória dos antepassadas iludira-se durante duzentos anos com realidade bem menos louvável. O tal fundador da sua linhagem na província canadiana, escapara de França in extremis, porque a Justiça procurava-o para lhe fazer pagar os danos causados a virginal donzela, que ousara violar.

Se intentava encontrar referência identitária, que justificasse um sentido para a errância estrada fora, a desilusão não tinha cura. Restava-lhe esse mundo onírico, que justificaria um dos seus menos conhecidos títulos - «O Livro dos Sonhos» -, aquele onde prosseguiria e eterna errância pela Alma, seja lá o que ela for.

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