No ano passado, depois da Elza ter voltado a casa após setenta e três dias no hospital, o primeiro filme que vimos no cinema foi “A Metamorfose dos Pássaros” de Catarina Vasconcelos. Porque não havia outro, que mais tivesse a ver connosco: pela ausência da avó da realizadora, há muito falecida, e a recuperação da sua presença através das cartas ao marido embarcado no alto mar. Porque também nós trocámos centenas de páginas enquanto eu vogava em todos os oceanos e me não era difícil pôr-me na pele de quem gostaria de conservar imorredoira a recordação da Elza se - como pareceu inevitável a certa altura! - ela me tivesse falhado!
Felizmente seria a dois que descobriríamos essa forma de Catarina Vasconcelos, através dos seus documentários, unir as histórias da sua família à do nosso país. Conseguindo assim uma imediata empatia, porque muito do que conclui também nós o percecionamos, quer na nostalgia das ilusões perdidas, quer na expetativa das que soubermos reavivar.
Só agora chegámos a esta “Metáfora” que, em meia-hora, antecipa o que, seis anos depois, a realizadora exploraria na longa-metragem. Dois irmãos trocam cartas no décimo aniversário da morte da mãe, vencida por um cancro. E, através de fotografias, de filmes e dos testemunhos dos demais familiares, trazem-nos de volta as esperanças alimentadas pela Revolução de Abril, tanto mais que, por essa altura, havia um primeiro-ministro de má-memória, que mandava emigrar os mais novos e aos outros instava a não adoecerem para não levarem à falência o Serviço Nacional de Saúde.
Rodando o filme em Londres, onde fazia o mestrado, Catarina Vasconcelos metaforizou as preocupações através do elefante passeado nas margens do lago do Hyde Park. Porque é animal dotado de prodigiosa memória capaz de o levar a visitar os seus mortos. A mesma preocupação, que guia a ela e ao irmão, quando pretendem trazer de volta quem muito acreditou na Revolução e a quem tão cedo a doença levara.
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