O desaparecimento dos nossos melhores intelectuais deixam-me sempre no estado de alguma orfandade por reconhecer o quanto lhes devo na forma como me deram a conhecer outras formas de percecionar a realidade, de com ela me emocionar. Nuns casos tivemos tempo para prepararmos devidamente o luto, porque a idade e as doenças iam abreviando a inevitabilidade da notícia - assim sucedeu com Manoel Oliveira ou com José Saramago -, noutros ela surgiu-nos brutal por dela não estarmos à espera - casos de Eduardo Prado Coelho ou José Mário Branco.
Embora vítima da terrível doença maligna, que tanto nos assombra, o desaparecimento de Jorge Silva Melo contou-se entre os últimos. Porque ainda há pouco lhe ouvíramos o entusiasmo com que preparava a encenação da peça do Noel Coward, que os seus Artistas Unidos estrearão um destes dias. E pressupúnhamos, que ainda outras propostas de descobertas se seguiriam, a somar às muitas mais com que nos brindou neste último meio século, mais precisamente desde o Teatro da Faculdade de Letras, que estaria na génese da Cornucópia, cujas peças foram bem mais interessantes, quando ele ainda lá estava do que, depois, quando se guiaram apenas pela orientação de Luis Miguel Cintra e Cristina Reis.
Nos Artistas Unidos deu-nos a conhecer muito do teatro, sobretudo de linguajar anglo-saxónico, que nem suspeitávamos que existisse, ou, se o conhecíamos, nem lhe adivinhávamos a importância.
E ficaram os filmes, quer as longas-metragens de ficção, que iam-se estreando com limitado sucesso comercial, mas sempre diferentes do que víamos no mainstream, quer sobretudo os documentários sobre os vultos mais interessantes da arte contemporânea portuguesa. Títulos como os que dedicou a Ângelo de Sousa, José Guimarães ou Sofia Areal deram-nos a conhecer as suas propostas estéticas e incentivaram-nos a dissociar-nos dos cânones comummente associados a esse tipo de apreciação.
Confrontamo-nos com uma das perdas incomensuráveis cuja dimensão não podemos imaginar: que mais ele nos iria ensinar, que novidades seriam as que nos poriam a olhar para um texto dramático, uma obra de arte de uma forma que nos fariam sempre sentir enriquecidos? Como aliás sempre acontecia, quando o entrevistavam e nos quedávamos a ouvi-lo com a merecida atenção.
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