quarta-feira, março 23, 2022

«Vider les lieux», Olivier Rolin, Ed. Gallimard, 2022

 

Confesso ter lido Rolin com outro entusiasmo muitos anos atrás, quando as afinidades políticas convergiam e ainda o não constatava apologista de causas, que nunca poderiam ser minhas.

O envelhecimento tem destas coisas: olhamos para as fotografias, admiramo-nos com quanto os demais espelham a passagem dos anos e convencemo-nos de connosco ter ficado quase tudo na mesma. E, no entanto, sabemo-nos autores de charla, também para nós próprios comprometedora.

Não enjeito, porém, a leitura - nem que seja apenas das primeiras vinte ou trinta páginas, que a Gallimard faculta no seu site - nesta altura de lançamento do mais recente título do autor. Até por voltarmos a confluir numa mesma ilação: as casas em que vivemos estão tão cheias de livros e objetos trazidos de muitas viagens que, eventual mudança para outro espaço, implicaria autêntico trabalho de Hércules. A que Rolin efetivamente se submeteu porque, ao fim de trinta e sete anos a habitar um apartamento na Rue de l’Odéon em Paris, viu-se instado a despeja-lo em vésperas do primeiro confinamento pela pandemia. Por um lado era expulso de casa, por outro o governo impunha-lhe a prisão domiciliária.

O que o romance nos ensina é quanto um enorme sacrifício pessoal também comporta a oportunidade inesperada para revisitar cada um dos objetos a enfiar nos caixotes e deles ir resgatando memórias, que vão compondo uma autobiografia cronologicamente caótica, mas se compõe do que pode ser tido como palimpsesto da sua personalidade.

Ao longo do romance Rolin recorre a uma espécie de litania em torno da expressão “le matin de mon départ”, repetido até ao momento de sair desse espaço, definitivamente encerrado no seu passado. Ele que muito viajara, e de tão diferentes latitudes trouxera emoções e conhecimentos, depois transpostos para uns quantos romances, acabou por projetar algo de semelhante nesta viagem àquele que fora a casa em que vivera metade da sua vida. 

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