terça-feira, março 08, 2022

Um verão vermelho

 

Há quem comente que «Verano Rojo», o primeiro romance dos costa-riquenho Daniel Quiros  é o que de mais aproximado poderia ser um thriller assinado por Dashiell Hammett, se este tivesse a formação ideológica de Gabriel Garcia Marquez. Mas, independentemente da intriga policial, que lhe subjaz, convida-nos para as praias de areia branca do país centro-americano, particularmente para a zona de Tamarindo, hoje uma das estâncias turísticas de maior sucesso do país, onde o custo por noite num dos seus hotéis de cinco estrelas é maior do que o do ordenado mensal dos seus camareiros.

Não importa que Guanacaste, a província onde ocorre o crime, e serve de rampa de lançamento para tudo o que decorrerá a seguir, seja a mais pobre e rústica da Costa Rica, por ainda ter boa parte da população dedicada à agricultura e à pecuária. É nela que uma das mais conhecidas habitantes da vila, Ilana Echevarri, a Argentina, aparece crivada de balas, de bruços na areia, as águas da maré do início da manhã a movimentarem-lhe os cabelos  depois de apagarem as pegadas ali deixadas por quem a assassinou.

Don Chepe, um amigo dela, que procurara o sossego da reforma na região, decide assumir o papel de investigador começando por dirigir as suspeitas para quem tinha sabidas divergências com a morta -  Pinueve e Zaguate - confessos recetores de duzentos dólares para a ir vigiando.

Para o leitor a culpabilidade desses suspeitos seria demasiado óbvia e Daniel Quiros introduz um importante momento da História do país: o atentado de la Penca em 30 de maio de 1984, no outro lado da fronteira da Nicarágua com a Costa Rica, que se saldara por quatro mortos e uma vintena de feridos, tendo por testemunhas o jornalista sueco Peter Olsson e o suposto fotógrafo alemão Werner Michel, que, na realidade, é Victor Gandini, ex-guerrilheiro do Exército Revolucionário Popular, dado como morto em 1989 na ocupação do quartel La Tablada em Buenos Aires.

Quando Chepe consegue estabelecer comunicação com Olsson para esclarecer as circunstâncias do atentado, ei-lo que o descobre morto, aparentemente de suicídio, ilação, que não o convence por dar com o cadáver demasiado «arrumado» no leito para corresponder a suposto ato voluntário.

Gandini passa a constituir o foco do interesse do protagonista, que o identifica como antigo amigo de Ilana durante mais de trinta anos e até com ela ter partilhado uma ação revolucionária contra o general Videla. Teria sido na sequência do fracasso dessa Operação Gaivota, que ambos se haviam radicado na Nicarágua, aí rompendo relações.

Uma carta deixada por Argentina a Chepe põe-no na pista de El Angel, um conhecido milionário mexicano de reputação mais do que duvidosa, mas em dívida para com ela na sequência do salvamento de um filho seu. É esse Gabriel Eduardo Mejia, quem dá a Chepe a localização de Gandini em coordenadas GPS, garantindo-lhe a possibilidade de esclarecer definitivamente os motivos do crime e a sua autoria.

Embora só acessível em espanhol, o romance abre o apetite para a obra de um escritor ainda jovem, que recorre à atmosfera tropical do país natal para desmentir a sua tão glosada quietude e demonstrar como até nela se cruzam os protagonistas das histórias, que têm marcado o subcontinente latino-americano nas últimas décadas...

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