segunda-feira, março 01, 2021

(DIM) As praias sob a invernia e as cidades enquanto desertos de solidão

 

Porventura consequência da condição caparicana: gosto imenso das praias a servirem de cenários nos filmes, que vou vendo. E no caso de Mulher na Praia de Hong Sang-soo (2006), é numa delas que os protagonistas procuram dar alguma coerência aos caóticos pensamentos ou aproveitam para concretizarem as fantasias noturnas.

E não é numa praia movimentada, porque vemo-la quase sempre esvaziada de gente, sacudida por uma invernia, que a torna espaço exclusivo dos personagens. Exatamente como eu preferia o areal quando vivia no centro da Costa e a época estival conhecia o seu fim. Que prazer, então, o de subir a Rua dos Pescadores e, ao pisar a areia, olhar para o Cabo Espichel - quantas vezes tapado pelo manto de neblina! - e deparar com escassos vultos a passearem à beira-mar, assustando os bandos de gaivotas.

Num filme sobre as pequenas coisas temos formações diferenciadas, e sucessivas, de possíveis triângulos amorosos com vértice constante num realizador bloqueado nas ideias quanto ao que quereria fazer a seguir.  Há traições amorosas no passado e no presente a par do deslumbramento pela presença feminina.

Os filmes deste realizador sul-coreano podem desconcertar por muito pouca coisa se passar entre o genérico inicial e o que encerra o filme. Mas ele convida-nos para sermos atónitos voyeurs de comportamentos, que escapam à nossa lógica ocidental. Mas isso somos nós, que de Descartes recebemos a cartilha do primado da Razão sobre as emoções. Sobretudo quando elas são as amorosas e não nos dizem diretamente respeito!

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Fica atrás explicada a razão porque considero como mais bela imagem de O Paraíso Provavelmente (2019) aquela em que o protagonista está de costas para nós e, do alto de uma falésia, vê o horizonte espraiado à sua frente. Mas convenhamos que o filme de Elia Suleiman desconcerta-nos tanto, quanto os que, anteriormente, lhe conhecemos. A começar por essa cena inicial em que vemos o mesmo personagem - uma mistura homogénea de Charles Chaplin, Buster Keaton, Jacques Tati e do nosso nunca por demais lembrado João  César Monteiro! - a julgar-se perseguido por um grupo de jovens armados de pedras e paus, fugindo-lhes até sentir estulta a possibilidade de lhes escapar, logo os enfrentando bravamente até os ver  a prosseguir a correria, passando-lhe ao lado e na direção do sítio, mais adiante, onde pretenderiam perpetrar algum gesto justiceiro.

Numa comédia sobre a identidade e a nacionalidade, o realizador palestiniano confronta-nos com outros espaços de solidão, desta vez citadinos, que, singularmente, na quase ausência de pessoas, antecipa os cenários conhecidos durante esta pandemia. As cidades povoam-se aqui de ruidosos silêncios, mesmo que nelas haja a sensação de se estar a ser permanentemente vigiado.

Ainda assim, seja em Nazaré, em Paris ou em Nova Iorque, não faltam polícias, se não mesmo os aparatosos desfiles militares do 14 de julho, a par de manifestações de um racismo ordinário (quer na versão idiomática lusa, quer nas inglesa ou francesa). Assim como a estranheza perante os outros, aquela que nos motiva o sorriso pela graduação eficiente da sátira.

Pode-se dizer que se trata de um filme minimalista construído na base de uma ininterrupta sucessão de minisketches, que tendem a confirmar o mundo como um lugar estranho. Mas, a seu modo, é também um filme militante, porque evidencia a ocupação israelita do espaço merecidamente palestiniano. E, como tal, reconhecido pela própria ONU. Daí que não deixe de ser muito clara a sensação de ultraje sentida pelo protagonista, quando vê o seu quintal devassado por um vizinho abusador, que lhe rouba os limoeiros e até deles cuida como se já lhe pertencessem de facto.

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A France Culture anda a dedicar alguns dos seus programas a Luchino Visconti dele dando ênfase a alguns dos aspetos menos realçados por quem vem abordando a sua obra cinematográfica.

Numa destas noites referia-se à sua indisfarçável paixão pela pintura, que o levou a colecionar muitas obras importantes na  pinacoteca particular, que demonstrava o ecletismo de tanto apreciar as contemporâneas quanto as do período classicista.

Não admira que aos atores pedisse, amiúde, que representassem como se tivessem acabado de sair de um quadro.  E, melhor ou pior, eles lá se esforçavam por cumprir essa orientação que, muitas vezes desconheciam como traduzir na prática interpretativa... 

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