É um filme de Jean Luc Godard a que gosto sempre de voltar. Assumidamente um dos meus preferidos. Usando a imaginação podemos ver o automóvel de Lemmy Caution (Eddie Constantine) transformado numa nave espacial vinda dos Planetas Exteriores para entrar em Alphaville, capital de uma galáxia, onde o espião deve procurar um colega aí desparecido. O que encontra é uma feroz ditadura, liderada pelo Prof. Von Braun, cujo nome constitui, logo por si, uma irónica provocação do realizador a um dos «heróis» americanos desses anos 60, promovido como pai do programa Apollo, sem haver muitos que lembrassem o passado nazi e o quanto poderia ter passado por ele um outro desiderato para o final da Segunda Guerra Mundial.
O cientista-ditador inventara uma inteligência artificial, o Alpha 60, capaz de identificar todos os cidadãos que sentissem emoções. Ora, numa sociedade onde se pretendia tê-los robotizados, proibidos de questionarem o que quer que fosse, esses inimigos eram continuamente fuzilados à beira de uma piscina.
Lemmy Caution conhece a bela Natacha, filha do ditador, num papel de Anna Karina, que explicita o estado da relação amorosa entre ela e o realizador por essa altura: com nenhuma outra companheira Godard seria tão explicito em autobiografar-se. Por essa altura Karina deveria estar a distanciar-se de Godard manifestando-lhe uma frieza, que ele procurava superar. É o que intenta o protagonista ao confrontar-se com o inimigo e levando-a consigo de volta aos Planetas Exteriores. Quando ela acorda no final, o dia substituiu-se à noite e a viatura em que acompanha o seu salvador, dirige-se para um futuro diverso do passado recente, que quase a transformara num ser formatado. E é esse o sentido mais atual do filme, mesmo há distância de cinco décadas e meia: não faltam políticos ou influencers apostados em retirar originalidade aos que manipulam, pondo-os a vestirem-se, a consumirem, a «pensarem» de acordo com os parâmetros neles definidos.
Alphaville é sobre a necessidade de contrariar essa estandardização das consciências, valorizando em troca tudo quanto possa distinguir-nos individualmente...
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