domingo, maio 07, 2023

Como lidar com a perda de alguém?

 

Tema pertinente o da perda de alguém, e a dificuldade em encontrar as palavras certas para expressar o quão difícil se revela a sua falta. Porque, escreve Adele Van Reeth em «Inconsolable», “a morte é um saber que recusamos aprender”.

Para a autora do romance a questão focaliza-se na perda do amado pai, que a deixa inconsolável e atónita perante a necessidade de encontrar outro modo de viver após dois anos a acompanhar-lhe a fase final da doença, sabendo de antemão o desenlace naquele que sabia vir a ser o momento mais triste da sua existência. Sem a ilusão de uma qualquer sobrevivência para além da morte física do corpo, Adele replica a conclusão de Saramago sobre um dia estarmos aqui e, no seguinte, deixarmos de estar.

Subsiste algum consolo nessa tristeza - “é graças à tristeza que sei que estou bem” - ao adotar o solo de Keith Jarrett no concerto de Colónia como banda sonora ideal, capaz de exprimir em sons aquilo que gostaria de expressar e se sabe impossível de alcançar. Para além de um gato cuja presença silenciosa é gratificante!

Em  «Mes Fragiles», Jérôme Garcin relata a forma como lidou com a morte da mãe e, seis meses depois, a do irmão mais novo, Laurent, acometido de uma deficiência genética num cromossoma (o X frágil), que lhe condicionara toda a existência.

Garcin que, ao contrário de Adele Van Reeth, crê numa sobrevivência das almas e as entende de si próximas, já publicara outro romance sobre outro morto, o irmão gémeo Olivier, que fora atropelado por um carro aos seis anos.  E também perdera precocemente o pai, aos 45 anos, ao cair de um cavalo.

Insuficientemente convicto do seu misticismo - embora afiance o contrário -, a escrita funciona-lhe como forma de conferir aos desaparecidos uma outra tangível imortalidade, porque dá-lhes testemunho nos seus textos literários.

Propósito semelhante intenta Vinciane Despret em «Les Morts à l’oeuvre» investigando meia dúzia de casos de quem, perdendo alguém muito próximo, confia a sua evocação a artistas encomendando-lhes obras, que podem ser, por exemplo, uma belíssima cantata entoada por uma mezzo soprano  e traduzindo musicalmente o que ficara referido a propósito  das mãos de Keith Jarret no seu piano. Como se só pudesse haver consolação na mais pura beleza.

E justifica-se, enfim, a abordagem de Amandine Dhée em «Sortir au jour», que é um diálogo feito de múltiplas histórias, algumas divertidas, entre duas mulheres, uma delas dedicada à função de embelezar os cadáveres antes de expostos às cerimónias fúnebres em que importa aos familiares e amigos iludir o terror e sofrimento por que terão passado até ao exalar do derradeiro suspiro. Porque cuidar dos mortos é uma forma de compensar o caos, que esteve subjacente ao seu fim.

Embora já sem François Busnel,  seu mediático apresentador durante tantos anos, «La Grande Librairie», continua a justificar atenção a quem nos livros procura respostas para dilemas, que se perspetivam no horizonte. Porque, dizia o padre Valentim Navegante, personagem de um conto de José Eduardo Agualusa, que “da mesma forma que os rios procuram o mar, também os livros procuram os seu leitores”. Como se existisse um singular atração entre o que são as suas ansiedades e inquietações com quanto eles propõem nas suas histórias e reflexões. Às tantas justifica-se nem ser tão místico quanto Garcin assume ser, nem tão materialista puro e duro quanto se confessava o nosso Nobel... 

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