O que surpreende em documentários do tipo L’Héritage Rouge - Les Artistes et le Passé Socialiste (2019), que a alemã Susanna Schürmann realizou sobre a Bulgária do passado em contraponto com a do presente, é a falta de contraditório entre a vontade de uma parte da população aqui ouvida como disposta a transformá-la numa réplica do capitalismo ocidental e a outra parte, a que é nostálgica de um tempo em que havia trabalho e tudo parecia tão sedutoramente tranquilo. Como é comum neste tipo de produções politicamente orientadas para a consagração das tais liberdades ocidentais (que só aproveitam a uma minoria muito privilegiada e, mesmo exploradora, do resto da população) enfatizam-se os argumentos de uns e silenciam-se os dos outros.
Seria, porventura, interessante descortinar quem, na sombra, financia as atividades dos grupos de grafiteiros, que vandalizam os antigos monumentos do passado e ainda bastante apreciados pelos mais velhos. Ou a atividade da jornalista e realizadora Diana Ivanova, que se diz interessada no diálogo entre as duas franjas da população, mas em todos os seus trabalhos adota um claro enviesamento em prol dos que verdadeiramente defende.
Eu olho para trás e recordo uma tarde de domingo em que, acompanhado de outro colega de trabalho, passeava pelas ruas de Nessebar, nas margens do Mar Negro e, atraídos por vigorosa troada de instrumentos de sopro fomos espreitar donde provinha.
Os organizadores da festa de casamento, que ali decorria num quintal viram-nos a espreitar e logo quiseram saber donde vínhamos. E, para nossa surpresa - e encantamento! - logo nos vimos convidados para a festa, apesar de quase não haver quem ali compreendesse patavina do inglês com que procurávamos comunicar. Mais ainda, não tardámos a vermo-nos na pele dos personagens de O Caçador de Michael Cimino, dançando em larga roda em torno dos noivos assim obsequiados com os votos de felicidades.
Na Bulgária desse passado dito socialista encontrámos indubitavelmente búlgaros felizes. Que certamente olharão para esse passado com a mesma nostalgia com que resgato da memória essa tarde de domingo em Nessebar.
Sem comentários:
Enviar um comentário