quinta-feira, abril 13, 2023

O vislumbre da panaceia para o tédio e a solidão

 

A oportunidade de ver a forma como Tónan Quito verteu para a realidade portuguesa - e a do CCB em particular! - o Ensaio de Orquestra de Federico Fellini permitiu-me voltar à delicada questão da ideologia do realizador italiano, que se confessara episódico votante da Democracia Cristã e manifestara em diversos filmes uma ambígua sedução pela estética mussoliniana. E, no entanto, a obra em causa é a da aparente dissociação da incontornável ideia de uma liderança pessoalizada num chefe em favor de um coletivo capaz de se auto-organizar e afirmar a sua superior eficiência. Como se se tivesse nele operado a mudança vislumbrada ao fim de uma hora do seu aqui recentemente lembrado La Dolce Vita: se antes nele prevalecera a euforia histérica Marcello entende a tragédia quanto ao que no ilusório se deixara mergulhar.

Não é a Ekberg a banhar-se na Fonte de Trevi a cena mais ilustrativa dessa viragem brusca na narrativa, mas a da visita do pai do protagonista a Roma. Porque denuncia a superficialidade mórbida de uma sociedade de consumo enleada na fútil “alegria em viver”. Porque falta sentido a essa vertigem, que só suscita o tédio e solidão prenunciadora da morte.

E daí que os fotogramas mais belos do filme coincidam com esse final em que, numa praia, Marcello olha ternamente para a rapariga, incapaz de compreender o que, na sua inocência, lhe diz do outro lado de intransponível rio, que conduz ao mar ali mesmo ao lado...

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