13 de novembro de 2022
Nunca perdi tempo a ver Emmanuelle, ou um dos seus muitos sucedâneos, com ou sem Sylvia Kristel embora, nesse mesmo ano de 1974, não tenha perdido O Último Tango em Paris, que agitava as discussões e os fantasmas sexuais da embotada sociedade portuguesa. E aproveitei agora para regressar momentaneamente a essa época de tantas cristalizações estilhaçadas com o documentário assinado por Clelia Cohen sobre o fenómeno, que define no título como La Plus Longue Caresse du Cinéma Français.
E temos assim a história de um produtor, que olhou para o sucesso do filme de Bertolucci e logo viu a oportunidade de, com poucos meios, enriquecer rapidamente, depressa mandando às malvas a intenção de dar-lhe uma caução intelectual mediante a contratação de Michel Piccoli para o papel do diplomata europeu a cumprir funções em Banguecoque. A escusa do prestigiado ator levou-o a substitui-lo por Alain Cuny que, apesar de estimável carreira, já a via a declinar para irreversível fim.
Curioso o facto de, para a tradução em filme do romance semiautobiográfico de Emmanuelle Arsan, o ambicioso produtor tenha recorrido a um fotógrafo, Just Jaeckin, que nunca passara das imagens paradas para as que teriam movimento, e complementado a arriscada opção com a escolha de Sylvia Kristel, uma modelo em início de carreira, incapaz de decorar duas linhas de texto. Ademais, ambos com personalidades púdicas, que se confessavam pouco à vontade nas ousadas cenas de nu e de sexo, que deveriam rodar.
O produto saído de tão ambígua feitura - tanto mais que a falta de dinheiro motivou ásperas reações em vários atores e técnicos na breve estadia tailandesa! - conseguiu tal sucesso comercial, que nele temos o lapidar exemplo de coisa sem préstimo convertido num fenómeno icónico e a contribuir involuntariamente para as grandes revoluções da época - o direito ao aborto e das mulheres a uma sexualidade realizada. Porque muitas confessariam na época nunca terem conhecido o orgasmo e procurarem-no doravante enquanto experiência capaz de lhes garantir dimensão enriquecida da sua condição feminina.
Foi nesse sentido que o filme mereceu a fama ulterior: se continua a desmerecer de com ele perder tempo necessário para coisas mais interessantes, não deixou de influenciar a alteração de valores, que dobraria os sinos por um tipo de sociedade em que, parafraseando Ary dos Santos, os filhos ainda eram feitos em ceroulas.
Perturbadora ainda a similitude de destinos entre Sylvia Kristel e Maria Schneider, que também ganhara equívoca reputação no filme de Bertolucci: ambas nascidas em 1952, pouco tempo se diferenciaram na morte - a francesa em 2011, a holandesa em 2012 - depois de estrondosamente fracassarem na carreira posterior em filmes de autor e de, mais ou menos explicitamente, se sentirem injustiçadas por terem-lhes usado o corpo para situações, que punham em causa os seus valores morais. Nesse sentido foram trágicas vítimas de um sistema de produção cinematográfico, que as tratou como qualquer chiclete...
Sem comentários:
Enviar um comentário