terça-feira, novembro 08, 2022

Miolo: Saramago e Puccini

 


A oito dias da comemoração do nascimento de José Saramago estamos prestes a concluir a leitura do seu maravilhoso Levantado do Chão, que bem demonstrava - em 1980 - como a (quase) tardia chegada ao romance justifica a conjetura sobre como teriam sido as obras adiadas pela sua exclusiva dedicação à militância e ao jornalismo. Porque verdade se diga que os romances tardiamente na gaveta ou sujeitos a esquecimento depois da edição original, não desmerecem de toda a produção lieterária do autor.

A luta de classes nos campos alentejanos aparece em todo o seu esplendor com os latifundiários a gozarem as mordomias do trabalho de escravos a que sujeitam os camponeses das aldeias  próximas dos seus vastos domínios e, contando para tal, com a colaboração do padre, dos polícias e até da pide quando “necessário”. Contra tanta iniquidade os pobres lutam, fazem greve e vão conseguindo difíceis vitórias como a da jornada de oito horas de trabalho, que sujeita João Mau-Tempo à violência da tortura da estátua durante vários dias. 

Nas páginas finais chegámos agora ao capítulo da morte deste homem bom, que vive o último dia rodeado por quase toda a família. E, exemplarmente, Saramago nele ilustra o que, em tempos disse, como descrição da morte: hoje estamos aqui, e depois deixamos de estar. Porque não há metafísica que baste para demonstrar que algo mais haja, quando o coração pára de vez.

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Nunca cumprirei o objetivo de assistir ao vivo a representações do Festival de Salzburgo, pelo que resta-me assistir às transmitidas pelas televisões das que por lá foram passando. Uma delas, que me garantiu uma hora e pouco de plena satisfação, foi a de Gianni Schicchi na encenação de Christof Loy para a edição deste ano, tendo o barítono georgiano Misha Kiria a interpretar o papel principal, mas cabendo à lituana Asmik Grigorian o momento culminante da ópera com a interpretação da ária O Mio Babbino Caro.

Composta em 1918 a obra cómica baseia-se num personagem referenciado por Dante na sua Divina Comédia e decorre na sequência da morte do rico Buoso Donato que, por não ter lavrado testamento, implicará a transferência de todos os seus bens e propriedades para a Igreja.

Apostados em que assim não seja, os herdeiros confiam a um amigo do morto, precisamente o protagonista, a sua substituição fraudulenta junto do notário, para criar uma divisão da riqueza por todos, embora haja a disputa entre eles sobre quem ficará com melhor quinhão. Ora, como seria natural, estamos na clássica situação em que se cumpre o ditado popular sobre quem parte e reparte...

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