11 de novembro de 2022
Sem pressentir que seria assunto da narrativa, a leitura de As Pessoas Invisíveis de José Carlos Barros leva-nos ao massacre de Batepá em fevereiro de 1953, quando os esbirros do governador de São Tomé torturaram e mataram os que se recusavam ao trabalho escravo nas roças de cacau.
Xavier, que acompanhávamos como protagonista, desde o exercício do ofício de curandeiro em recôndita região do norte do país à exibição da capacidade de levitar ou mover objetos com a força do pensamento em espetáculos circenses, fizera-se o mais feroz desses algozes. O que está a surpreender-nos quando ainda falta mais de um terço para chegarmos ao fim do romance galardoado com o Prémio Leya do ano transato é essa inesperada mudança de registo sobre a qual ainda é difícil formar definitiva opinião.
Previsível, mas maravilhosamente escrito e descrito, é o final de Levantado do Chão, que Saramago concluiu com a gesta da reforma agrária, projeto utópico à medida das aspirações do povo alentejano, mas que um salafrário, então socialista, hoje azedo reacionário, fez destruir, quando ainda nem começara a dar os frutos das suas potencialidades. Maravilhoso esse encontro entre vivos e mortos, mesmo que os primeiros nem suspeitem da presença dos que os tinham antecedido nas lutas e lhes tinham dado vida.
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É uma cena particularmente memorável no filme, que Antonioni rodou em Londres em 1966 - Blow up - como pretexto para estar perto de Monica Vitti, aí então a rodar Modesty Blaise com Joseph Losey: o fotógrafo Thomas, que se descobrira testemunha de um crime ao ampliar uma das fotografias colhidas em aprazível parque, aproxima-se do court de ténis onde uns mimos interpretam uma entusiasmada partida. Quando a suposta bola sai do espaço e salta cá para fora, pedem-na. E ele corresponde à solicitação: alinha no faz de conta.
A história, baseada num conto de Júlio Cortazar, é sobre isso mesmo: o quanto a sociedade ocidental estava a transformar-se numa enorme ilusão, incrementada pela moda dos então swinging sixties, que alimentava a partilhada alucinação em cores psicadélicas e ao som da música rock.
Pela primeira vez no ecrã, um filme de autor mostrava os pelos púbicos das atrizes - uma delas a tão jovem Jane Birkin - mas era evidente o sexismo do protagonista, embora se visse enganado pela inteligência daquela que viria a descobrir cúmplice do crime. E que explica o desencanto com que dele nos despedimos no genérico final.
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