terça-feira, fevereiro 01, 2022

Memórias de um fugaz turista em Grenoble

 

Por duas vezes demandámos Grenoble, uma para levarmos a filha, que aí ia estagiar no EMBL (European Molecular Biology Laboratory), a outra para de lá a trazermos antes de iniciar a fase seguinte da experiência profissional em Londres. Passar-se-ão em breve quinze anos desde então e fica-me a memória de uma bela capital alpina cortada a meio por um dos afluentes do Ródano e com um panorama particularmente impressivo, quando visto do alto do Belvedere de la Bastille depois de aí chegarmos num teleférico em forma de ovo.

O que então falhámos foi a visita a um dos sítios mais recomendados, sobretudo para os amantes da literatura: a Casa-Museu dedicada a Stendhal. Mas convenhamos que, já a meio caminho entre os sessentas e os setentas,  «O Vermelho e o Negro», continua a ser uma das muitas falhas, de que a minha cultura padece. Muito embora não deixe de ainda ter perspetivada esse drama protagonizado por Julien Sorel, quando decide vingar-se do despedimento do cargo de precetor dos filhos do casal Rênal.

Na primeira metade do romance, Stendhal serve-se da intriga para denunciar o conservadorismo da burguesia da sua região natal, onde a possibilidade de ascensão social era negada por quem tudo detinha. Ele próprio filho de um advogado proeminente de Grenoble, diria da cidade, que ela lhe lembrava tudo quando de mais horrendo pudesse existir, por ter sido ali, que entendera os comportamentos humanos num microcosmos social em que todos se espiavam entre si. E, no entanto, apesar de órfão aos sete anos, e distante do pai, que sempre mantinha pose séria e austera, Henri beneficiaria do convívio com o avô, um bibliófilo dotado de apreciável manancial de livros que o neto se deleitava a explorar. E com um posicionamento político inequivocamente progressista para a época.

As suas personagens femininas replicam a ligação à mãe com quem mantinha um afeto fusional, que nunca encontraria replicável nas suas muitas paixões.

A reconciliação com Grenoble acontece mais tarde, quando passados os anos vividos em Paris ou em Itália, onde foi cônsul francês, voltou à cidade e arredores para a descrever num curioso livro de viagens: «Memórias de um Turista». Presumo que será mais tentador iniciar a descoberta da sua obra literária por aí antes de me atirar de cabeça para aquela que é mais conhecida.

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