terça-feira, fevereiro 22, 2022

O homem que matou dom Quixote

 

A classificação dos críticos até nem se revelou particularmente benigna, mas várias razões justificaram que fôssemos ver o filme, dado como pronto em 2018, mas só agora estreado nas salas portuguesas.

Em primeiro lugar há o estilo do realizador, que transforma os filmes numa sucessão histriónica de cenas a pecarem pela coerência à luz dos nossos códigos realistas, mas adquirindo uma outra, alternativa, se nos esforçarmos por a aceitarmos sem rebuços. Por exemplo que, numa modesta aldeia recôndita da Mancha, os aldeãos, desde o taberneiro e a filha até ao sapateiro, falam inglês com a naturalidade de qualquer nado e criado num ambiente anglo-saxónico. Nesse sentido cada filme de Gilliam é um desafio à nossa capacidade para aceitarmos as realidades alternativas em que agem os personagens.

Depois há a história do personagem de Cervantes, que acaba por ser respeitada no essencial, mesmo misturando-se tempos e geografias, e a chamada à colação de temas contemporâneos como o jiadismo, os oligarcas russos e o capitalismo selvagem no seu atual esplendor.

E sobram ainda elogios para os trabalhos dos diversos atores: Jonathan Pryce como frequente cúmplice dos projetos do realizador, Adam Driver, que se encaixa perfeitamente em todo o tipo de papéis - mesmo no de um improvável Sancho Pança inconformado com o estatuto em que se vê cingido, e, muito particularmente Joana Ribeiro, que não desmerece do talento demonstrado à sua volta. Mas também por lá andam Stellan Skarsgard, Lídia Franco, Rossy de Palma ou Sergi Lopez.

E, cereja em cima do bolo, há esse final no Convento de Cristo em Tomar a lembrar-nos a indigência de uns quantos agastados por se ter filmado uma enorme fogueira inquisitorial num dos seus pátios. Como se tais cenas não contribuíssem com mais uns quantos visitantes futuros, alertados para a sua Charola, a viessem procurar à conta do filme de Gilliam.

Que em toda embrulhada judicial envolvida na demora da sua exibição, nos tenhamos dececionado com o comportamento de Paulo Branco é só mais uma questão acessória para comparecermos à visualização do filme com um certo espírito militante!

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