No mesmo dia ouço e vejo programas dedicados a dois atores que, atualmente, justificam idas às salas escuras para lhes apreciar os desempenhos. E, curiosamente, nos primórdios dos seus percursos, olhei-os com a desconfiança, senão mesmo com a antipatia, de representarem valores muito distintos dos meus. No caso de Vincent Lindon foi a aproximação à aristocracia monegasca enquanto namorado de Caroline, a quem servia como estereotipo do «príncipe encantado», enquanto Leonardo Di Caprio viveu um período de amores voláteis, drogas e outros consumos equívocos, possibilitados pela sua promoção a um dos atores mais mediáticos do planeta à conta do seu desempenho em «Titanic».
E, no entanto, um e outro reinventaram-se, escolheram melhores companhias (entenda-se realizadores) e quase tudo quanto têm feito nos anos mais recentes merece entusiástica recomendação.
No caso do ator francês, ouvido pela France Culture a propósito da estreia em França de «Un Autre Monde», o mais recente título da trilogia de Stéphane Brizé dedicado às injustiças no mundo do trabalho e dos seus disfuncionamentos, ouvimo-lo dizer que são estes e outros filmes em que tem dado o corpo ao manifesto, a darem-lhe a sensação de se sentir de espinha direita.
Neste filme, que já por cá passou - a exemplo dos outros dois em que Lindon foi segurança num hipermercado ou sindicalista - ele é Philippe Lemesle, um executivo a contas com a necessidade de despedir empregados da sua empresa para dar satisfação aos interesses dos acionistas e, ao mesmo tempo, a enfrentar o divórcio da mulher, que deixou de querer com ele viver. É um personagem no meio de um cruzamento e a perguntar se é capaz de fazer o que lhe é pedido ou se resiste o que considera um absurdo?
Pressionado por quem lhe quer endossar todas as culpas sente-se incompreendido quer pelos que lhe pagam o ordenado, quer pelos que lhe estão subordinados. É a empresa moderna a aparecer como algo de incontrolável na roda livre para que tende funcionar.
No documentário «Leonardo DiCaprio: most Wanted» de Heinrike Sandner, ficamos a saber da importância que os pais tiveram na sua atual personalidade: a mãe, de origens alemãs, deu-lhe o nome do pintor italiano durante uma visita a Itália em que pelas suas obras se deixara fascinar. E o pai, hippie assumido e ativista contra a guerra do Vietname, sempre o levou a bibliotecas e deu-lhe a conhecer obras que considerava essenciais. Embora Charles Bukowski não fosse poeta que lhe recomendasse, nem a ele, nem a ninguém.
Se ainda em criança encontrou emprego em séries e anúncios publicitários, DiCaprio até começaria em grande, confrontando-se com Robert DeNiro em «A Vida deste Rapaz» (1993).
Até 1998, quando interpretou o papel de alguém com ele muito parecido em «Celebridades» de Woody Allen, podíamo-lo entender como um rosto bonitinho em filmes de êxito garantido como o foram «Romeu + Julieta» de Baz Luhrmann (1996) ou o «Titanic» de James Cameron em 1997.
Foi o encontro com Martin Scorcese a partir de 2002 («Gangs de Nova Iorque»), que lhe fez infletir a carreira, doravante produzindo os filmes e os documentários, que lhe conferissem o estatuto de respeitabilidade artística e a coerência com as suas preocupações ambientais.
E nem mesmo a Academia de Hollywood fez perdurar por muito tempo o boicote à sua consagração, porque, em 2016, com «The Revenant» de Alejandro Gonzalez Iñarritu, teve de conceder a derrota perante tantas vezes em que o nomeara e não recebera a devida estatueta.
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