segunda-feira, novembro 01, 2021

Montalban e a importância de revolucionar o inferno

 

Foi grande a surpresa, quando soube da inesperada morte de Manuel Vasquez Montalban em 2003: tinha mais ou menos a minha atual idade e estava no aeroporto de Banguecoque de regresso a casa, quando o coração o traiu.

Até então tinha-me deleitado com os muitos romances protagonizados pelo detetive Pepe Carvalho, seu alter ego na desilusão com o sucesso das ideologias salvíficas de esquerda, embora não lhes contestando a justeza, mesmo com a ambiguidade de ter andado de conúbio com a CIA. E, mesmo quando deixava de folga o seu personagem mais conhecido, os seus romances tinham sempre motivos de interesse, focassem-se eles numa singular autobiografia do general Franco ou no esclarecimento do assassinado do basco Jesus de Galindez na República Dominicana e com envolvimento dessa mesma CIA.

Li Tatuagem - o primeiro dos títulos da série Carvalho - com algum atraso em relação à data da sua publicação na Espanha pós-franquista. Partindo do antigo Bairro Chinês de Barcelona ou não tivesse nascido num quarto andar de um prédio do século XIX, Montalban lança Carvalho no esclarecimento de crimes, que explicitam a pobreza dessa zona adjacente à parte mais baixa das Ramblas com a ostentação dos que viviam do outro lado da conhecida avenida e depressa cuidariam de se mudar para a parte alta com vista para a cidade a partir do Tibidabo ou para as novas construções em Barceloneta, junto ao mar, donde os operários foram erradicados depois de terem aí vivido até meados do século passado.

Desse romance, lido já no início da década de oitenta, fica-me a memória de um afogado a dar à praia e com uma inscrição alusiva à ambição de ter nascido para ir revolucionar o Inferno. Muito embora ele se tornasse bem mais facilmente real enquanto vivo do que nesse despojo empurrado pelas águas mediterrânicas para a beira-mar. 

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