O ensejo proporcionado pela peça Juventude Irrequieta, vista no Teatro Nacional D. Maria II, fez-me regressar à leitura de A Cidade das Flores, o romance com que, em 1961, Augusto Abelaira procurou enganar a censura salazarista abordando os impasses e dilemas dos que ansiavam por um Portugal bem distinto do então existente.
Meio século depois de, fascinado, o ter descoberto, continuo agradado com a história dos amores e desamores de Fazio e Rosabianca, a coragem de Vianello, a insatisfação de Soldati ou as contradições de Domenico. Mas também dá para constatar quanto era então tentadora a apetência pelas utopias, mesmo que algumas se fossem acinzentando por essa época. No romance, quando o desencanto com a situação política e a perda do encanto pela companheira se avolumam, Giovanni decide escrever sobre um distante futuro, quando todos os humanos tivessem direitos iguais e o trabalho não funcionasse sob uma cartilha esclavagista. Para esse protagonista, porventura alter ego do próprio Abelaira, a ficção funcionaria como compensação para a frustração de um presente recheado de insatisfações.
Neste nosso tempo não faltam motivos para imitarmos Fazio, mesmo que nos iludamos com as prerrogativas “democráticas” de um contexto em que não faltam explorados nem exploradores. Se até temos a presidência da República ocupada por um reciclado Brighanti! Com a COP a decorrer em Glasgow já nos satisfaríamos com a possibilidade do planeta não aquecer mais do que 1,5ºC. Porque a Igualdade, a Solidariedade, a Fraternidade tendem a manter-se subalternas perante aa equívocas noções de justiça e liberdade fomentadas pelo ultrajante e omnipresente capitalismo.
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