sábado, novembro 20, 2021

Belíssimos livros, além de um reacionário e de um pessimista (ma non troppo)

 

1. Das leituras em curso destaco as que dedicamos a dois escritores maiores da nossa estima: José Saramago e Mia Couto.

Do mui justamente nobelizado prosseguimos »As Pequenas Memórias» naquela parte em que ele confessa ter pensado dar-lhe o título de «Livro das Tentações», pensando no tríptico de Bosch dedicado a Santo Antão. Mas, considerando-se de talento aquém da genialidade do pintor holandês, optara por alternativa não menos pertinente, porque direcionada para lembranças antigas de quando era menino ou adolescente. Estão lá as tais tentações, as da carne, a propósito das relacionadas com a descoberta do corpo feminino enquanto ímpeto incontornável no processo de crescimento.

Do ainda não nobelizado - embora o já devesse ter sido - conhecemos os caçadores de elefantes invisíveis e outros personagens encantatórios, capazes de conferirem à pandemia, à guerra no norte de Moçambique ou à miséria endémica de todo o país, uma vertente humanista muito forte, porque eivada da grande generosidade com que muitos deles ajudam os mais fragilizados, sejam eles velhos, mulheres ou crianças.

É a leitura como grande pretexto para iluminar os dias...

2. Leituras a evitar, embora «Sous le Soleil de Satan» (1926) e «Journal d’un curé de champagne» (1936) aguardem a sua vez nas prateleiras da minha cave, é a dos livros de Georges Bernanos.

Na viragem dos anos 60 para os 70, quando os Livros de Poche chegavam a Portugal e davam a vontade de a todos comprar, ambos figuraram na coleção e por isso não olhava sequer para quem era o seu autor. Um programa da France Culture, emitido por estes dias, não deixa margem para dúvidas: muito embora não tenha levado a ignomínia até à dimensão de Céline, Bernanos não era menos reacionário. Antissemita, católico ultraconservador, monárquico, desde cedo se deixara seduzir pelas ideias de Maurras, da Action Française e de todos os círculos que haviam feito de Dreyfus um ódio muito intenso de estimação.

Morrendo em 1948 pudera depreender o quanto se justificara ter-se oposto ao governo de Vichy, mas mantinha ambígua a questão judaica através de uma frase, que permitiria leituras contraditórias: “Essa palavra (antissemita) horroriza-me cada vez mais. Hitler desonrou-a para sempre!». Como se alguma vez ela pudesse ter-se revestido de uma qualquer dimensão honrosa...

3. Arthur Schopenhauer sempre foi filósofo por quem jamais senti o mínimo interesse. Paladino do pessimismo, que poderia ensinar-me enquanto émulo do otimista irritante, até mesmo nessa mesma postura? Mas afinal o autor de «O Mundo como Vontade e Representação» andava há cerca de cem anos a escrever pequenos tratados, que relativizavam esse derrotismo metafísico.  «A Arte de ser Feliz», « A Arte de ter sempre Razão» ou «A Arte de Conhecer-se a si mesmo» talvez tenham contribuído para adocicar uma idiossincrasia malsã ou não tivesse ele ainda vivido mais quatro décadas até se finar já septuagenário. No fundo, tal qual os publicitários, os pessimistas podem ser uns exagerados...

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