sexta-feira, novembro 26, 2021

O imperialismo da língua inglesa

 

Este ano previ que o Nobel da Literatura seria atribuído a um escritor africano e não me enganei. Assim sucedeu de facto, mas não destinado a quem eu desejava que o fosse: a Mia Couto.

Se no passado tive grandes satisfações com o reconhecimento de autores, que me eram particularmente gratos - Saramago em primeiro lugar, mas também Garcia Marquez, Gunter Grass, Peter Handke, Le Clézio ou Modiano - pretenderia recolher idêntica reação com outros, que igualmente dele julgo merecedores como é o caso do escritor moçambicano.

Afinal a Academia sueca decidiu-se por um tanzaniano. Abdulrazak Gurnah, que me era completamente desconhecido, mas tem uma vantagem de monta em relação ao seu vizinho mais a sul: tem feito toda a sua vida literária em Inglaterra e é no respetivo idioma, que tem publicado. O que só vem dar razão a outro Nobel, Coetzee, que se insurge contra o imperialismo da língua inglesa, que muito deve a associar-se ao do domínio militar dos EUA. Como se de Washington haja a expetativa de todo o globo vir a desviar-se das centenas dos milhares de línguas e dialetos existentes e todos falem naquela que pretendem tornar como dominante.

Falando do seu caso pessoal o escritor de origem sul-africana e que se expressa, de facto, nessa língua, reconhece nada sentir de especialmente empático para com ela. Com outras origens - mormente a holandesa - de modo algum assume algo parecido com o que Pessoa traduzia a respeito do português enquanto sua pátria. Daí estar a criar com a sua tradutora argentina uma curiosa experiência literária que fará das versões espanholas dos seus mais recentes romances aquelas que entenderá como as verdadeiramente originais.

Quanto a Mia Couto ocorrerá uma de duas hipóteses: ou conseguirá ganhar maior notoriedade nos mercados de língua inglesa através da competente tradução dos seus romances ou será mais um daqueles muitos casos em que, por ser autor do hemisfério sul e expressar-se numa língua que não a da predileção dos académicos suecos e nenhuma hipótese terá de ser nobelizado.

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