Num dos documentários mais estimulantes de entre os vistos nas últimas semanas destaco o dedicado a Eduardo Souto Moura (Tua Dele - A Linha da obsessão de Ricardo Clara Couto, 2021). Nele o pritzkeriano arquiteto lembra o exemplo de Glenn Gould, o notável pianista, que perseguiu durante toda a vida a execução perfeita das Variações Goldberg de J.S. Bach e, tendo-a alcançado, logo morreu.
Essa busca da plenitude criativa existe assumidamente no criador do notável projeto do edifício da Central Hidroelétrica do Tua, que incrustou dentro da montanha a construção encarada pelos ambientalistas como o seu grande trunfo para conseguir da Unesco o chumbo do projeto. De acordo com o testemunho do encomendador da obra em nome da EDP Souto Moura reagiu de forma óbvia, quando lhe disseram haver problema com a volumetria do edifício, que poria em causa a paisagem duriense: se era assim, porque não construi-lo debaixo do chão?
A conversa em torno do projeto não se resume a esse caso em concreto, porque ele vai mais longe e sublinha a importância de conceber as obras no papel como se fossem exercícios de poesia. E três horas lhe terão bastado para visualizar todas as principais soluções a aplicar no projeto da barragem, reconhecendo-lhe semelhanças com o trabalho formulado para a icónica obra realizada no Estádio Municipal de Braga, escavado numa pedreira.
O que fica deste filme é o quanto a arquitetura pode ser sublime enquanto forma de reorganizar um espaço ao mesmo tempo habitado por pessoas e enquadrável numa paisagem específica. Não se justificando o farisaísmo dos dogmáticos, que olham para esses contextos e não toleram, que eles se transformem, mesmo que sejam as próprias populações, em expressiva maioria, a pronunciarem-se nesse sentido.
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