domingo, novembro 28, 2021

E se olharmos os filmes de Paul Schrader por outras lentes?

 

E se, de facto, abandonássemos a leitura preguiçosa dos filmes de Paul Schrader, esquecêssemos a estereotipada versão de ter crescido numa família calvinista de usos e costumes ortodoxos da qual nunca se tivesse livrado quanto às questões da redenção que, desde o argumento escrito para Martin Scorcese em «Taxi Driver», tem alimentado quase todas as conhecidas abordagens, quando se trata de comentar um filme por si assinado?

A propósito de «O Jogador» não têm faltado essas  leituras, que transformam o protagonista, William Tell, numa versão atualizada de Travis Bickle a contas com demónios parecidos, porque, se um trazia às costas os fantasmas do Vietname, a réplica carregaria os de Abu Ghraib.

Daí a curiosidade da proposta de Francisco Ferreira, crítico do «Expresso», quando substitui a matriz católica pela dos estoicos da Antiga Grécia fazendo do personagem, interpretado pelo sempre competente Oscar Isaac, um ser racional, consciente dos enleios em que se equaciona. Como escreve o crítico na sua abordagem “somos nós os nossos principais inimigos, somos nós os principais responsáveis pelo mal que nos acontece, pelo desespero e angústia em que caímos, pela luz ao fundo do túnel que não vemos. Sim, somos o resultado das nossas próprias contradições. E há um preço a pagar por elas”. Mesmo que acabemos por não resistir à matéria de que somos feitos e a tentação do abismo acabe por ganhar descontrolada pulsão.

Se tenho olhado com desconfiança para todos os filmes de Schrader - embora «The Blue Collar» me tenha a seu tempo entusiasmado! - e neles tenha detetado ambiguidades, que o aproximariam de conceções políticas pelas quais não tenho a mínima afinidade, a perspetiva de Francisco Ferreira permite-me olhar para «O Jogador» com lentes menos apressadas por muito que me sugestione a possível substituição de uma formatação restrita por uma outra não menos enclausurada em visão igualmente fechada. 

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