sábado, novembro 06, 2021

Primeiro Reino, Ioanis Nuguet, 2021

 

O luto pelos que partem e muito se amam constitui algo de íntimo. Por isso confesso a atitude prudente com que parti para a descoberta deste filme de Ioanis Nuguet. Não transformaria a experiência da morte da mãe num espetáculo mórbido, que privilegiaria a costela voyeurista de quem o veja?

As primeiras cenas fizeram-me temer o pior, porque confrontamo-nos com o corpo sem vida dessa mulher a quem os filhos velam. Mas, pouco a pouco, essa primeira impressão vai-se mitigando à medida que fica clara a sensibilidade com que o realizador afrontou essa experiência-limite e a preparou atempadamente. Precisamente desde que tomou conhecimento da doença da progenitora e regressou do Bali - onde dedicava-se ao teatro local - para a acompanhar na derradeira luta e preparar esse luto.  Que desperta outros mortos evocados em rituais cristãos e hinduístas a eles dirigidos. O resultado acaba por ser um diálogo entre os vivos e os que se foram indiferente à cronologia dos acontecimentos numa sucessão de imagens em que os vários tempos se misturam. Incluindo os do nascimento de quem assegura outra forma de continuidade desses que lhes legaram os cromossomas.

As palavras são raras, quase sempre substituídas por um trabalho de sonorização em que a música muito contribui para potenciar a força dos sentimentos. Entre o Além e o aqui a câmara toma esses ritos como veículos de ligação, que muito devem aos elementos: a água do mar e o fogo. Sem esquecer o teatro balinês com as sombras a remeterem para os sonhos onde os habitantes dos dois reinos se reencontram.

Fica afinal uma ode ao real e ao imaginário, numa transformação, que resulta na memória apaziguada de quem partiu. Que não deixa de ser um estímulo aos que ficam para que continuem a viver. 

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