Sem sombra de dúvida se, enquanto melómano, pusesse a questão de saber em que data e local gostaria de ter estado no passado, diria Lucerna em 21 de agosto de 2003.
Correspondeu ao ressurgimento de uma orquestra moribunda, que Toscanini criara em 1938 e com a tradição de juntar dos melhores instrumentistas das várias orquestras mundiais, muitos deles solistas de renome, devolvidos à “modéstia” da sua inserção nos respetivos naipes. Mas foi, sobretudo, o reaparecimento artístico de Claudio Abbado, que um cancro no estômago quase levara dois anos antes, e agora surgia ainda mais mágico a criar música com as mãos. Fora ele quem se incumbira de lançar os convites àqueles que acorreram àquela cidade suíça à beira do lago Lucerna para partilharem a aventura de interpretarem o mais icónico desempenho da Segunda Sinfonia de Mahler, apropriadamente conhecida como Ressurreição,
Olhando para o registo da gravação no YouTube sugere-se a atenção ao suave movimento das mãos de Abbado, quase a flutuarem na marcação dos compassos, mas a constituírem uma performance por si mesmas.
Para a generalidade dos maestros a mão esquerda é um empecilho, que procuram omitir da condução das obras, mas Abbado deu-lhe função imprescindível, tão relevante quanto a outra.
No concerto desse dia de verão de 2003 Abbado veio confortar os admiradores quanto a estar ainda vivo e capaz de lhes prodigalizar memoráveis versões de alguns dos grandes momentos da História da Música. E ainda assim seria por quase dez anos mais até a recidiva da doença o ter levado de vez. Deixando justificada saudade...
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