quinta-feira, março 19, 2020

(DL) Entre o alerta e o apocalipse


O quase nonagenário Hubert Reeves é um astrofísico canadiano, que tem publicado alguns dos mais interessantes livros de divulgação científica das últimas décadas. Particularmente nas duas mais recentes, quando passou a abraçar a causa ecológica com particular veemência.
La Terre Vue du Coeur é um dos seus álbuns mais recentes - com fotografias de uma qualidade irrepreensível - e foi traduzido em filme por Iolande Cassin-Rossignol. Nessas duas modalidades volta a demonstrar que podemos rastrear as ameaças, que hoje incidem sobre a espécie humana, e até identificar de onde elas provém, mas a sexta grande extinção de vida no planeta está a ocorrer sem suscitar o devido escândalo, nem muito menos as decisivas ações políticas tendentes a evitá-la. E, no entanto, só os criacionistas ainda acreditam que o Homem é a suprema obra-prima de Deus ou a expressão última da evolução no caso dos darwinistas.
Hubert Reeves incita-nos à humildade suficiente para repensarmos a relação com a Natureza, dando o devido valor à interação com todos os seres vivos. No fundo trata-se de abandonar de vez a ideia de sermos donos da Terra e nela tudo podemos fazer. Se alterarmos o atual paradigma da nossa civilização capitalista talvez tenhamos garantido um futuro no planeta. Caso contrário ele prosseguirá impassivelmente o seu percurso sem soltar um lamento por estes hóspedes, que o terão tão maltratado.
Por seu lado o romance Nord da norueguesa Merethe Lindstrøm passa-se nesse previsível futuro em que a espécie humana não escapou ao iminente apocalipse e o mal à solta parece imperar sobre as cinzas do mundo definitivamente em ruínas.
Quem leu  A Estrada de Cormac McCarthy, ou viu o filme que dele se produziu, dirá estar-se perante um produto requentado. Possivelmente assim é, mas ainda assim bem escrito. Sobretudo quando o jovem narrador, que conseguiu escapar aos campos de prisioneiros, encontra o ainda mais jovem parceiro, o «rapaz», que passa a acompanhá-lo rumo a norte seguindo a agulha da bússola, mesmo desconhecendo se encontrarão nesse indefinido além um abrigo onde possam sobreviver. Doravante esse companheiro de viagem serve de confidente, de espelho, de cúmplice que torna os dias menos tormentosos. Sobretudo porque marcados pela nostalgia de um passado em que se foi feliz até ser cerceado pelas imbatíveis forças da destruição.

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