sábado, março 21, 2020

(DL) As Noites de Ava Gardner


Numa noite de agosto de 1958 Ava Gardner estava em Roma a rodar La Maja Desnuda, sob a direção de Henry Koster quando arrastou o diretor de fotografia Giuseppe Rotunno para uma noitada de copos, que culminou no estúdio dele para que a fotografasse nua, a replicar alguns dos quadros mais famosos pelo seu erotismo, nomeadamente A Vénus de Urbino de Ticiano ou a Origem do Mundo de Courbet. Compensava assim a frustração de se ter visto abandonada por Tony Franciosa, cuja esposa, Shelley Winters, atravessara o oceano para recordar ao Goya do filme os seus deveres conjugais.
Na manhã seguinte, já ressacada, Ava Gardner exigiu a Rotunno, que lhe desse os negativos e as fotografias deles extraídas, mas involuntariamente ficaria ainda uma outra presa na máquina só descoberta posteriormente. Essas imagens icónicas da atriz tornaram-se, anos depois, o objeto de investigação de um entediado professor de História da Universidade de Nantes, que aproveitou uma razoável herança para a aplicar num ano sabático dedicado a tal trabalho.
O romance de Thierry Froger vai acompanhar o narrador nessa busca, que o divide em sucessivas direções porque, já confrontada com o seu declínio, a atriz enviara cada um dos quatro exemplares recebidos de Rotunno a alguns dos homens, que considerara importantes no passado: Frank Sinatra, por exemplo, o que nos leva a conhecer melhor as ligações à Máfia, nomeadamente a Sam Giancana, um padrinho particularmente conhecido pela sua malignidade. Ou a Ernest Hemingway, que pendurara a imagem recebida da amiga, nas paredes da sua finca dos arredores de Havana, até que por testamento ela transitara para o Estado cubano e deste para a muito particular coleção de Fidel Castro, que nunca mais esquecera a breve noite passada com Ava logo após a Revolução. Do líder cubano, Jacques dá uma ideia muito favorável porque ele recebera-o na embaixada em Paris, quando ali se deslocara para o funeral de Mitterrand e, durante uma noite e madrugada, tinham ambos partilhado copos de rum e evocações da atriz.
As deambulações do narrador levam-no a outros sítios onde ela vivera, nomeadamente Roma e a pequena cidade de Smithfield, na Carolina do Norte, onde nascera e estava sepultada junto aos pais. Mas ele não vê razão para ir a Espanha, onde a soubera vizinha truculenta de Juan Péron, que se exasperara com o barulho infernal das suas festas, ou a Londres onde exalara o último suspiro em 1990.
Num romance de uma prodigiosa riqueza em detalhes e informações - nomeadamente sobre a cortesã, que Courbet tivera como modelo para pintar o seu mais conhecido quadro -  não faltam as vicissitudes interiores do narrador, um ex-maoísta, adocicado no «socialismo democrático» e autocrítico quanto à futilidade do tema por que se interessara. 
Uma coisa é certa: para um cinéfilo, que tem em Ava Gardner um dos muitos rostos fundamentais do cinema do século transato, Les Nuits d’Ava de Thierry Froger constitui um verdadeiro deleite.

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