terça-feira, março 24, 2020

(DIM) Homens a “sério”


Num documentário com hora e meia de duração  - Real Men - o alemão Hasko Baumann questiona o tipo de modelo masculino propagado pelo cinema norte-americano, muitas vezes associado à personagem do “tuff guy”, o matulão tipo «Rocky», protagonizado por Sylvester Stallone, que tanto motiva alguns dos mais entusiásticos frequentadores dos ginásios. Entrevistando-os, Baumann recolhe o motivo para essa idolatria: o personagem mostra a possibilidade de se chegar ao topo depois de serem superados os mais difíceis obstáculos e, mesmo quando cai, logo faz os possíveis e os impossíveis por voltar a erguer-se.
O modelo provém, porém, de algumas décadas anteriores, quando Bogart personificou a imagem do durão capaz de abater tão facilmente os vilões como de levar à cama as belas de serviço. O modelo machista era óbvio e perdurou com a mesma falta de subtileza em sucessores com menos carisma que o ator de O Falcão Maltês.
John Wayne, por exemplo, era menos expressivo, mas tinha a sorte de ser alter ago de um realizador talentoso, John Ford, que o potenciou nas virtudes escassas e lhe disfarçou as evidentes limitações. Ainda assim era notória a diferença entre a vida real e as dos filmes: os argumentistas de Hollywood nenhum conhecimento concreto possuíam sobre o mundo do oeste, que mistificavam.
A derrota humilhante do exército norte-americano no Vietname levou Hollywood a criar um tipo de filmes eivados de um maniqueísmo primário, que servissem de catarse aos frustrados patriotas, momentaneamente confrontados com a imagem da bandeira hasteada garbosamente no topo dos mastros. Rambo é o exemplo mais conhecido, mas sucedâneos como os protagonizados por Chuck Norris e Van Damme também marcaram presença nessa estratégia, ambos singularmente promovidos por uma sociedade de produção, o Cannon Group, pertencente a israelitas.  Comparando o cinema europeu com o norte-americano não se encontram nele soldados tão heroicos e polícias com tanta facilidade em apertarem o gatilho (Dirty Harry) como do outro lado do Atlântico. Mas se olharmos para exemplos na política - Putin na Rússia ou Salvini em Itália - são as extremas-direitas a resgatarem um modelo de masculinidade, que coincida com os seus propósitos nacionalistas e populistas.
Ganhemos algum otimismo com o facto de terem quase desaparecido nas últimas duas décadas esse tipo de heróis. Embora continuem a subsistir para darem satisfação a um nicho minoritário de espectadores - que se espelham igualmente noutros filmes em que algumas heroínas se comportam com o mesmo recurso fácil à violência - os “tuff guys” desapareceram dos filmes de maiores ambições comerciais e artísticas. O respeito pela condição feminina, que pressupõe um outro estilo de masculinidade, vai fazendo o seu caminho.

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