sábado, novembro 30, 2024

NOTAS DE RODAPÉ: O estranho senhor Anton

 

Anton Bruckner foi um génio incompreendido na versão do documentário de 2019 assinado pelo musicólogo Reiner Moritz. E, de facto, pecador me confesso, só tardiamente abri os ouvidos para a sua obra, porque o entendia compositor menor, ademais associado a características pouco abonatórias quanto ao carácter inovador da sua arte: típico conservador, que quase nunca conheceu o mundo para além do eixo entre Ansfelden, cidade de província onde nasceu em 1824, e Viena, onde morreria septuagenário, Bruckner sempre falou com pronunciado sotaque e nunca convenceu nenhuma das mulheres, por quem se apaixonou, a livrá-lo da provável virgindade com que foi para a cova.

Não há, porém, falta de testemunhos sobre o suspeito prazer, que lhe costumava dar a exagerada demonstração desse lado caricatural do seu feitio.

E, no entanto, dedicando atenção às suas sinfonias, compreendemos o quanto se distanciam das que andavam a ser compostas por essa altura, acabando por influenciar a música erudita do século XX, ao assumir a condição de pioneira nos seus tons.

Daí os elogios de Kent Nagno, Valery Gergiev e Simon Rattle, que não deixam de reconhecer o quão exigentes são as suas partituras.

Ficam ainda revelações singulares como a de ter solicitado autorização para estar presente na transladação das ossadas de Beethoven e de Schubert, e de como causou estupefação aos presentes ao tomar em mãos a caveira do compositor do ciclo Winterreise.

Necrofilia como alguns de tal o acusaram? Ou tão só a expressão devota dos católicos ao tocarem nas relíquias a que atribuem maior relevância?

Até nos detalhes da biografia, Bruckner acaba por permitir as conjeturas mais contraditórias, que não inibe o gozo manifesto da fruição das suas obras... 

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