quinta-feira, novembro 07, 2024

APONTAMENTOS CINÉFILOS (XXIV): Anjos à solta nas destilarias escocesas

 

Muito cedo cheguei ao cinema de Ken Loach, quando, há mais de meio século, descobri o impressionante Vida em Família. Desde então procurei ver-lhe todos os filmes, de nenhum me desgostando, mesmo preferindo alguns como mais bem conseguidos, caso do dedicado a Daniel Blake.

A Parte dos Anjos, que o Festival de Cannes  premiou com a Palma de Ouro em 2012, está nesse limbo de entusiasmo mitigado, embora lhe lembre muitas cenas antológicas. Fica-me a estranheza de um happy end tão incomum na sua filmografia, mas admito que, tratando-se de uma história de redenção, Loach tenha querido premiar Robbie com o esforço de transformar-se num chefe de família honesto depois de um turbulento passado enquanto delinquente juvenil.

A expressão que dá título ao filme corresponde à parte do whisky, que se evapora do barril, quando se o faz respirar. É ao descobrir o quanto faculta a trafulhas a oportunidade para alguns negócios clandestinos, que o gangue de Robbie melhor ensejo encontra para negociar com quem está suficientemente abonado para dar-se ao prazer de gastar fortunas com excêntricas aquisições do que lhes suscite a garantia de superlativos prazeres, mesmo efémeros.

Entre a pequena delinquência e a de outro gabarito também se define a diferença de classe. Mesmo que execrados por quem deles é vítima, os carteiristas serão sempre modestos criminosos quando comparados com os colegas de colarinho branco.

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