Para quem insiste numa perspetiva maniqueísta da guerra na Ucrânia talvez seja benéfica a visualização de Donbass, o filme rodado por Sergei Loznitsa em 2018, que demonstra a falsidade da versão segundo a qual tudo se iniciou em 24 de fevereiro de 2022 porque, nesse dia, já se contavam em mais de catorze mil os mortos, civis ou militares, os contabilizados desde 2014 quando, aproveitando a corrupção e a incompetência do governo legitimamente eleito em Kiev, uma multidão manipulada por quem se pode imaginar (a organização de Fort Langley continua hiperativa) virou o regime para os padrões «democráticos» ocidentais.
Porque tudo verdadeiramente começou com o derrube violento de quem ganhara eleições reconhecidas como acima de qualquer suspeita, mas mantinha o país mais próximo de Moscovo do que dos interesses de quem, com ele, pretendia completar o cerco ao regime de Putin e, nomeadamente, vedar-lhe o acesso à frota do mar Negro.
Loznitsa viu-se, entretanto, expulso da Academia de Cinema de Kiev acusado de «cosmopolita» e de moderado perante uma invasão que, porém, condenara, como antes o fizera em sucessivos filmes pouco simpáticos para com Putin ou a antiga União Soviética. Quem esquece o filme dedicado aos funerais de Estaline? Não por acaso, mas sem fundamento, quem manda na União Europeia e se curvou aos interesses norte-americanos insiste em considerar impoluto um governo, que queima livros de autores russos nas ruas e os elimina das suas bibliotecas. Como proíbe tudo, os grandes compositores, que associa à cultura do inimigo, que era, no entanto, a sua até há pouco tempo.
Passado na região ocupada pelos «separatistas» russos, Donbass não é nada simpático para com estes. Mas a sua corrupção e prepotência é a mesma do campo contrário, porque todos partilham um padrão de comportamento, que incide sobretudo sobre os mais desprotegidos, aqueles que vemos acossados em caves escuras na cena em que vemos uma protegida das novas autoridades a querer dali resgatar uma mãe que, visivelmente, a rejeita. A mesma população, que parece passiva perante o que se passa à sua volta, mas rapidamente se converte numa turba decidida a linchar quem lhe apresentam como inimigo e, como tal, culpado pelo atual sofrimento.
Há, é claro, uma cena a mais, perfeitamente desnecessária, porque exagerada na lógica revisteira: a do casamento, que une uma matrona a um enfezado cacique. Mas poderá justificar-se para acentuar o carácter surrealista de uma tragédia em que inocentes são só as vítimas, que se veem no fogo cruzado entre interesses geopolíticos de que se sentem indefesos e alheados.
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