1. Do Bairro terá sido rodado durante o confinamento da pandemia - o que ajuda a perceber o deserto em que se converteram as ruas de Alfama e da Mouraria! - mas o tema do documentário de Diogo Varela Silva é o da gentrificação, potenciada pela explosão dos alojamentos locais, que apressaram o fecho de muitas associações e clubes, já ameaçados pelas mudanças comportamentais trazidas pela profusão dos canais de televisão e por tudo quanto se pode aceder via telemóvel. É que falta a população bairrista do passado e sobram comunidades vindas de diversos longes e com quem não é possível estabelecer o tipo de comunhões identitárias em tempos traduzidas em marchas populares, em bailes animados e em agitadas competições desportivas (incluindo as de sueca!).
Há a impossibilidade de fazer rodar para trás a roda do tempo e trazer de volta aqueles dias de que se esqueceram as dificuldades económicas e a opressão politica, porque deles se recordam as felizes sensações de se ser jovem e ter todo um futuro pela frente. Aquele que agora mingua, porque tudo isso acaba por ser Fado.
2. Não há felicidade sem nós! É assim que acaba A Flor e o Peixe, a mais recente proposta literária de Afonso Cruz. E o nós tem a ver connosco enquanto leitores, com os personagens em si, mas também com os outros, os que significam conexões, encadeamentos, que suscitam as histórias de cada um. Como de costume, o autor desafia-nos para os vários níveis de leitura pressentidos em tudo quanto escreve.
3. Isabela Figueiredo não se poupa a defender a Liberdade como tema maior do seu romance mais recente, Um Cão no meio do Caminho. Mesmo que sejamos impelidos a pensar na solidão como aquilo que melhor caracteriza o homem que consegue sustento do que respiga no lixo dos outros ou a mulher apostada em acumular tudo quanto lhe tem passado pela mão na vida e os conserva em caixotes sem identificação quanto ao seu conteúdo.
4. O que mais me parece paradoxal nos jovens, que se ativam na luta contra as alterações climáticas é ficarem-se pela rama do problema e não serem consequentes no essencial: na inviabilidade de evitar a anunciada distopia se não pusermos fim ao capitalismo. É ele a causa primeira das desigualdades em que assentam todos os consumismos, poluições e frustrações, que vão aquecendo - e de que maneira! - a nossa realidade.
5. Martha Argerich reivindica a noite enquanto realidade em que o tempo parece expandir-se num aparente ralenti, sendo aquele em que mais gosta de usufruir cada dia. Uma sensação, que também é a minha, quando para aqui venho às quatro da manhã e uso as horas em que tudo à volta parece paralisado para ler e escrever. As duas atividades que complementam a intenção de vivermos tão felizes quanto tempo o conseguirmos ser...
6. Por perturbadora coincidência o Mário Augusto decidiu recordar nomes grandes de Hollywood, que viveram o trágico desenlace de perderem a memória. Rita Hayworth, Gene Wilder, Ronald Reagan ou o agora vitimado Bruce Willis. O exemplo mais impressionante terá sido o de Robin Williams que, antes de se suicidar, terá deixado como legado a frase: Já não sou eu!
Não é ainda aquilo que, quotidianamente presencio, mas sei que, para tal avançamos numa cumplicidade dolorosa para a qual desejaria ver satisfeito o benefício salvífico do Amor com maiúscula. Embora o saiba apenas capaz de mitigar o que de incontornável se anuncia.
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