Às vezes vale a pena ser egoísta e só para si guardar algo de precioso cuja descoberta contenha potencialidades para repetidas fruições. Terá sido isso o que Ernest Hemingway sentiu no inverno de 1925, segundo confessou em Paris é uma Festa.
No ano anterior descobrira uma região dos Alpes austríacos onde as solitárias ascensões aos seus picos podiam proporcionar-lhe a sensação de superar-se apesar do permanente risco de avalanchas. Os habitantes de Schruns em vão o tentaram dissuadir de tão ousada insensatez, mas ele testava as sensações dez anos depois vertidas para as personagens excitadas com a hipótese de enfrentarem a morte a cada instante em As Neves do Quilimanjaro.
Viveu um período de plena felicidade em que lhe bastava o convívio social nos clandestinos jogos de póquer a dinheiro com os rústicos habitantes da região, tão diferentes das frívolas criaturas parisienses.
Regressado a França para receber os louros da ascendente carreira literária não poupou nas palavras para elogiar a recente descoberta. O que teve efeito de boomerang: no inverno seguinte, ao querer a repetição da experiência, viu-a comprometida pela inesperada presença de muitos desses amigos, que iniciaram a transformação desse espaço selvagem na cosmopolita e gentrificada realidade, que lhe sonegariam os motivos de tão breve sedução.
Sem comentários:
Enviar um comentário