quinta-feira, setembro 01, 2022

Hannah Arendt, Igor Stravinsky e António Vivaldi

 

1. Ando por estes dias a revisitar o pensamento de Hannah Arendt, embora não me renda substantivamente a muitas das suas conclusões sobre o totalitarismo, tendo em conta que dá quase inteira primazia ao individualismo de cada pessoa, nela preterindo o efeito psicológico de se integrar uma classe social ou uma cultura. Posso ser sensível ao conceito sobre a banalidade do mal, tão deturpado pelos sionistas, quando fizeram indecorosa campanha contra ela por contribuir para desculpabilizar Eichmann - o que não fez! -, mas não compreendo que não se tenha chegado a dissociar da afeição por Heidegger, que mais não era do que outro exemplo lapidar de assumpção dos mesmos motivos por que o organizador da máquina de extermínio nazi nela se comprometera.

Nesta fase estou, porém, na altura em que propõe a ideia de ter-se criado o caldo de cultura para o Holocausto na forma como se destrataram os muitos refugiados herdados do final da Primeira Guerra Mundial, quando milhões de pessoas foram expulsas dos Estados a que tinham estado vinculadas e, como apátridas, se viram ostracizadas por todos os sítios onde buscaram asilo. Segundo ela um criminoso condenado a uma pena de prisão acabava por ter mais direitos do que gente inocente,  apenas apontada por ser «supérflua» nas terras onde tão malqueridas se viam!

2. A inovação artística pressupõe um conhecimento profundo do que ficou para trás. Igor Stravinsky é disso um exemplo lapidar: o criador d’ O Pássaro de Fogo (1910) ou d’ A Sagração da Primavera (1913) revolucionou a música erudita de forma tao determinante, que causou reações opostas em quem as escutou pela primeira vez, uns aderindo à rutura com os cânones anteriores, os outros indignando-se com essa heresia.

No entanto, se nos ativermos ao ambiente em que o jovem Igor nasceu e cresceu, como não dar importância ao facto de viver em frente ao Teatro Mariinski de São Petersburgo onde o pai era baixo-barítono. Terá sido ao vê-lo atuar em óperas de Glinka ou Moussorgsky, e depois, como aluno de Rimsky-Korsakov, que começou a modelar a criatividade para os novos sons, que entregaria a Diaguilev para dar a banda sonora aos seus vanguardistas bailados.

3. O ambiente em que nasceu também esteve na origem do talento manifestado por Antonio Vivaldi em criar As Quatro Estações e milhares de outras composições, a maior parte das quais se terá perdido nos séculos em que esteve esquecido.

Nascendo perto do Arsenal de Veneza, que continua a ser o seu bairro mais popular e menos turístico, o jovem Vivaldi era filho de um barbeiro tão virtuoso no seu violino, que se via amiúde convocado para acompanhar o coro da Basílica de São Marcos.

Influenciado pelos cantos populares e religiosos, e adestrado no instrumento desde muito novo, ele depressa deu expressão às sonoridades da cidade, seja as das águas, seja as dos ecos das suas gentes. Com a notável utilização do contraponto como forma de lançar o diálogo entre sucessivas frases melódicas. 

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