quinta-feira, setembro 08, 2022

Entre a superlativa rejeição e o rendido agrado

 

Faltam quase quatro meses para acabar o ano, mas estou convicto de ter chegado à última página do pior dos romances lidos em 2022. Não dou dele o título, nem o autor, mas limito-me a anotar o seu lançamento em 2016 por uma das principais editoras nacionais. E essa é a primeira estranheza: não me admiraria ver esse romance como edição de autor para distribuição por toda a família só para dar satisfação a quem o escrevinhou, doravante tratado como escritor de obra publicada nas festas de casamento e batizado dos parentes. Mas ter uma grande editora a integrar coisa tão indigesta no catálogo é coisa estranha. Não tanto pela intriga em si: uma família onde só nascem meninas para desgosto do pai, que as despreza, sempre ansioso pelo filho varão. Quando, enfim, o obtém, a mulher mata-se e a seis das sete filhas no lago próximo.

Anos depois, mediante uma vitória nas eleições autárquicas e a construção de mil e oitocentas estátuas de todos os habitantes da aldeia, a rapariga sobrevivente empreende trabalhosa vingança contra os vizinhos, que a amaldiçoaram, e forçaram a dali sair, logo após a tragédia se ter verificado.

Inverosímil quanto à trama, ignorante quanto ao funcionamento das autarquias, mas optando por diálogos ao nível dos argumentos para telenovelas rascas, a escrita é do que mais básico se poderia esperar.

Em suma: respeito o esforço de quem se deu ao trabalho de criar uma narrativa com pouco mais de duzentas páginas mas, no final, faz-se o balanço do que o romance nos deu e a conclusão é uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma.

2. É um dos meus muitos paradoxos: materialista dialético puro e duro não acredito em nenhuma forma de misticismo, nem sequer abro espaço para a eventual aceitação de uma qualquer transcendência. E, no entanto, gosto muito do que Le Clézio escreve, tendo-me agradado bastante a sua consagração com o Nobel em 2008. E, no entanto, existe nele o fascínio pelas crenças e rituais dos índios com quem viveu na província de Darien, no Panamá, junto à fronteira com a Colômbia, e sobre os quais escreveu em Haï (1971).  Talvez, porque mais do que o fascínio pelo invisível, que nos pudesse rodear sem que o apercebêssemos, tem-me interessado o sentido da errância solitária, que os seus personagens, ou narradores, têm assumido desde O processo de Adam Polo (1963), acabando por encontrar paliativos eficazes para travarem o curso do tempo como sucede com Mondo (1978), quando descobre um singular jardim secreto. 

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