quarta-feira, setembro 07, 2022

A Criança Zombie, Bertrand Bonello, 2019

 

Na sua oitava longa-metragem Bertrand Bonello inspirou-se na história real de Clairvius Narcisse que muitos haitianos acreditam ter sido um zombie, vivendo duas vezes entre 1922 e 1994, e tendo, por isso mesmo, sido objeto de estudos científicos muito sérios.

Não acreditando nesse tipo de fenómenos esotéricos, que Bonello dá como credíveis, olho para o filme de outra forma: há a denúncia do colonialismo, que a zombificação do avô de Melissa pressupõe, porque concretizada para dar satisfação a objetivos gananciosos de alguns familiares, mas sobretudo para fazê-lo escravo das plantações de cana-de-açúcar da ilha; há, igualmente uma reflexão sobre o racismo e a memória cultural, sobretudo naquilo que vive a neta de Clairvius em Paris, depois de sobreviver ao terramoto de 2010, que lhe matou os pais, e dando a conhecer às amigas algumas das principais características das crenças, que têm na tia uma intermediária entre as forças transcendentes e a comezinha realidade.

Bonello assume o fascínio, que o misticismo haitiano nele exerceu, sobretudo na relação permanente entre os vivos e os mortos e sem omitir a existência de uma sangrenta ditadura, que garantiu a exploração intensiva da mão-de-obra local com laivos de esclavagismo.

Ser aprendiz de feiticeiro de tais idiossincrasias comporta riscos como os que acabam por vitimar a tia de Melissa, dotada de poderes mediúnicos - por isso reconhecida como mambo - que acedera a ajudar uma colega dela, Fanny, a superar a dor provocada por uma desilusão amorosa, e vê-se atacada por quem delas personifica o lado maligno.

Se Bonello cria duas narrativas paralelas, em tempos diferentes, elas acabam por cruzar-se nesse exorcismo com que o filme se conclui. E envolvendo toda a intriga numa ambiência, que já fora sua imagem de marca nos filmes anteriores quando, as mais equívocas realidades ganharam uma envolvência sedutora, ele confirma um estilo, que se lhe cola como imagem de marca autoral.

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