Um delicioso regabofe para o olhar é como evoco este documentário realizado pela neta de um dos grandes fotógrafos do século XX. Ouvindo a mãe e a tia, espécie de pitonisas do culto em torno do seu espólio, bem como alguns dos mais próximos amigos de Doisneau - aqui aparecem Daniel Pennac, Jean-Claude Carrière ou Sabine Azéma - Clémentine Deroudille dá-nos a ver o percurso de uma criança dos arrabaldes da Paris de antes da construção do périphérique, e esteve-a toda a vida a fotografar, enquanto laborioso artesão, que odiou a única experiência como assalariado de um patrão fixo (a fábrica da Renault).
O filme acaba também por ser o testemunho da prodigiosa transformação de uma cidade, que conhecera como somatório de um conjunto de aldeias marcadas pela pobreza e pela ligação umbilical às origens camponesas ou operárias, em megalópole cosmopolita.
Companheiro de Jacques Prévert em intermináveis deambulações pelos vários bairros da cidade, tê-lo-á ajudado a refinar a sensibilidade poética de que também se soube inebriar ao ponto de surpreender quem tinha o privilégio de repetir depois esses périplos, e descobria como o aparentemente feio ganhava surpreendente beleza.
O filme não nos cinge à ligação de Doisneau com a cidade onde captou a icónica fotografia do beijo dos amantes tendo por fundo o edifício da câmara municipal. Também evoca os enquadramentos de Palm Springs na época da revolução hippie, sem captar nenhum desses muito glosados personagens, os trabalhadores soviéticos ou a sua ligação ao Japão, onde ganhou peculiar notoriedade.
Homem simples no que essa caracterização tem de mais genuíno e grandioso, Doisneau sempre nos surpreenderá na forma como demonstrou a importância de reter de cada cenário o que de melhor pode transmitir-nos!
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