terça-feira, abril 12, 2022

Abraça-me com Força, Mathieu Amalric, 2021

 

Numa breve sinopse sobre o filme Amalric explicava que «Serre-moi três fort» era sobre uma mulher que parecia ir-se embora. E, de facto, é essa a ilusão sentida pelo espectador, quando vê Clarisse abandonar a casa familiar enquanto o marido e os filhos estão a dormir, para iniciar uma deambulação caótica por territórios vários, desde o mar, que quer rever, às montanhas onde a verdadeira realidade começa a restabelecer-se. Porque o parecer começa a tornar-se numa suspeição de outra coisa, quando o filme vai nos vinte minutos e se acumulam outros sinais. O que estamos a ver passa a ser entendido como uma mistura de realidades, desde a do dia-a-dia de uma mulher na catarse do luto, até à recriação imaginária, entre memórias e efabulações, do que teria sido a continuidade normal da sua existência  acaso não tivesse ocorrido a tragédia: num passeio matinal, o marido e os filhos tinham sido engolidos por uma avalanche na montanha e só o degelo da primavera seguinte permitirá resgatar-lhes os corpos.

Amalric criou uma intriga envolvente a partir da peça de Claudine Galea, que - diz quem a leu - era bastante linear na estrutura da história, dissemelhando-se em absoluto do prodigioso trabalho de reconstrução inscrito num argumento que muito deverá depois à montagem - sobretudo sonora! - que permite transpor esse passo entre a aparência e a realidade. E onde não faltam momentos constrangedores, muitos dos quais adivinhamos devidos ao imaginário da personagem Clarisse. Embora não nos custe a aceitar que, por exemplo, uma mulher a contas com tal sofrimento se ponha a perseguir uma jovem adolescente em quem vê a réplica da filha, quando ocorre o concurso de piano a que ela deveria ter comparecido.

Chega-se ao fim do filme com a sensação de não residir nele a perfeição construtiva, que Amalric desejaria atingir: à oitava tentativa o ator-realizador ainda não encontrou acesso ao pináculo, que parece perseguir a cada tentativa. Mas que este é um filme surpreendente, a pressupor a possibilidade de só melhor ser compreendido numa segunda, terceira, sabe-se lá se quarta revisão, conclui-se que sim! 

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