1. As portas da perceção. Eis que a proposta de Aldous Huxley em prol da descoberta do que se esconde para além daquilo que racionalizamos volta a estar na ordem do dia pela publicação de reedições dos seus livros. Cinquenta anos depois de ter tido o meu momento huxleyano novas gerações são instadas a vivê-lo, a deixarem-se por ele iludir. Porque a distopia prevista pelo seu romance mais conhecido - Admirável Mundo Novo - nada tem a ver com a que se anuncia por muito que gente teimosa procure diabolizar o progresso técnico, dando-o como fonte potencial de todos os males humanos.
Nos anos 70, quando dei algum crédito ao pensamento do autor, vivia-se o pós-psicadelismo com a demonstração dos efeitos perversos das drogas nessa porfiada tentativa de alcançar os tais estados alterados da mente. Depressa concluí que a realidade é muito mais importante do que o acesso ao que se acoita no inconsciente porque as transformações coletivas são bastante mais produtivas do que as de cariz individual. Aliás, tenho por mim, que a exaltação do individualismo trazido pelo reaganismo e pelo thatcherismo, que se seguiram ao crepúsculo dos hippies e à morte sucessiva dos seus mais representativos símbolos - Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e até a versão mística de Che Guevara - mais não foi que o reverso da mesma moeda, então cunhada na lógica dos novos «heróis» emergentes: os empreendedores de sucesso, os especuladores da Bolsa.
É por essa razão que desconfio desta tentativa de retirar Huxley do merecido esquecimento em que se acantonara a sua memória. Alguém anda a querer repetir estratégias, que redundem nos mesmos objetivos: uma reconversão bem sucedida do moribundo capitalismo.
2. Outras formas, bem mais benignas, de ir além dessas portas da perceção são possíveis. As que Le Clézio propõe nos seus romances e relatos de experiências vividas não comportam os implícitos perigos dos contidos no que Huxley escreveu. Por exemplo as que dedicou ao deserto - título de um dos seus romances mais jubilatórios! - levando-o a concluir que “não há melhor sítio para pensarmos nas questões sem resposta”. E nestas tantas se incluem, mesmo para os impenitentes ateus da minha fibra, que desprezam inquietações místicas e se focalizam nos comportamentos políticos e sociais. Porque o deserto, quando o deixamos embrenhar em nós, deixa de nos sujeitar a outros estímulos sensitivos, que não os do azul límpido do céu, a planura espelhada da areia, o som constante do vento. Quando assimilados deixam espaço para as tais outras questões, aquelas que têm a ver com a nossa civilização: em que ponto estamos, para onde nos orientamos? E a reflexão pode consolidar-nos as convicções ou abrir espaço para outras vias, mais eficazes, de nos aproximarmos, por pouco que seja, das almejadas Utopias.
Sem comentários:
Enviar um comentário