segunda-feira, dezembro 21, 2020

(EdH) Savoranola, o profeta maldito

 

Os fanatismos alicerçados na devoção a uma qualquer divindade costumam-me interessar por não compreender como há quem acredite naquilo que os seus hábeis profetas sugerem. Foi o caso recente do Daesh, ou o mais recuado de Savoranola na cosmopolita Florença dos finais do século XV. Num e noutro caso congregaram-se hordas de devotos em torno de um ideal de pureza religiosa, que redundou num breve, mas violento totalitarismo, que nada alterou de essencial o que antes existia, mas deixou um significativo rasto de vítimas inocentes.

Girolamo Savoranola sobressai aos olhos dos seus contemporâneos durante o Carnaval de 1492, quando os excessos, sobretudo sexuais, se exacerbaram ao ponto de fundamentarem a sanha persecutória do dominicano contra a extensão do pecado e as suas iminentes consequências.  O castigo de Deus não tardará é o que clama a quem o começa a ouvir. E, em pouco tempo, os acontecimentos parecem dar-lhe razão: uma tempestade incendeia a cúpula da catedral, o desacreditado Papa Inocêncio VIII morre e a cidade é ameaçada pela invasão dos franceses que, comandados por Carlos VIII, vêm reivindicar o Reino de Nápoles, mas aproveitam de caminho para conquistarem todo o norte de Itália.

Os comerciantes da cidade pedem a Savoranola para que consiga do rei francês a promessa de livrar a cidade da prometida pilhagem e ele consegue-o impressionando o interlocutor com o seu discurso religioso. No momento seguinte ele é incensado pelos florentinos como salvador da cidade. E a ambição desmedida leva-o a ponderar na possibilidade de a aliança com o invasor conseguir a purificação da instituição papal, entretanto entregue a Alexandre VI, esse Cesare Borgia de reputação sulfurosa quanto aos excessos carnais, que incluíam o incesto com a própria filha.

É esse o momento de viragem no destino do padre: apesar de intensificar a ditadura teocrática na cidade, a derrota dos franceses, que recuam depois de falharem a conquista de Roma, e a inteligência de Alexandre VI que, não o conseguindo subornar com a promessa de cargo cardinalício, nem matá-lo através de dois sicários, usa a artilharia mais pesada de que dispõe: a excomunhão do herege, extensiva a toda a população florentina se não o prender e lho entregar.

A Savoranola de nada lhe servirá o exército de anjos - os miúdos que aliciou para lhe servirem de exército e que organiza com os mesmos preceitos depois utilizados pela Mafia - com que aterrorizara os ricos chegando a organizar a Fogueira das Vaidades para reduzir a cinzas tudo quanto dizia personificar o mal. Abandonado pelos que nele acreditaram ou lhe tinham suportado passivamente o diktat ele é encarcerado, torturado, condenado por traição e heresia.

Quatro anos foi quanto durou a sua rápida ascensão e não menos vertiginosa queda. Em Maio de 1498 é enforcado e depois queimado, sendo as suas cinzas atiradas para o Arno.



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