sábado, dezembro 26, 2020

(DL) Felicidade, João Tordo

 

João Tordo integra aquele pequeno lote de autores de literatura em língua portuguesa de quem procuro ler tudo quanto publicam, quase sempre comprando-lhes os novos títulos tão-só ficam disponíveis nas livrarias. A ele juntam-se Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Lídia Jorge, Mário de Carvalho, Ana Margarida de Carvalho, Valter Hugo Mãe e poucos mais.

Deste romance mais recente - Felicidade, lançado em outubro pela Companhia das Letras - confesso alguma surpresa, sobretudo com a vertente sobrenatural, que a história assume na sua segunda metade. Um racionalista puro e duro, como me considero, terá de sentir-se atónito com situações, que colidem com as suas convicções. Mas as virtudes ficcionais do escritor estão bem presentes permitindo uma leitura muito agilizada da evolução da narrativa.

Cumprindo o que costumamos encontrar na sua obra, deparamos novamente com quem tem em aberto todas as expetativas mais favoráveis para ser feliz, mormente no amor, mas acaba por conhecer queda abrupta, porque à prometida boa aventurança subjaz a frustração, a tragédia, sobretudo a morte. Como se a vontade humana nada pudesse para contrariar um destino aqui focalizado em três irmãs gémeas, as Kopejka, verdadeiras erínias, de quem o protagonista não se consegue dissociar. Uma delas, Felicidade, morre-lhe nos braços durante a mútua descoberta do orgasmo. Com outra, Esperança, ele casa, mas para ambos comungarem anos de infelicidade  até o narrador descobrir o insuportável adultério. À outra, Angélica, providenciara involuntário homicídio por interposta pessoa, mesmo que traduzido numa fuga através do suicídio.

Ficamos a conhecer o desiderato das três irmãs quando, logo no início do romance, o narrador lhes visita as sepulturas.  Só não imaginamos, que ele próprio é uma espécie de assombração do tipo da de Joe Gillis quando, em Sunset Boulevard nos conta a história da sua relação com Norma Desmond. Ao convidar-nos para o seu longo percurso até ao abismo, escolhe o relato linear e cronológico em que os personagens secundários vão fazendo figura de um heteróclito coro, que sublinha os contornos da tragédia ou dão ao protagonista o ensejo de se ater aos seus sucessivos estados de alma. Com o desenlace, que acaba por ser mais complexo do que, à partida, fôramos levados a crer...

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