Em 11 de setembro de 1973 Paul Schafer viu-se aliviado de todas as suas preocupações: se durante os três anos de presidência de Salvador Allende, a Colónia Dignidad constituíra um bastião seguro contra o comunismo, dali saindo armas para os atentados da extrema-direita e ali se refugiando muitos dos que conspiravam abertamente contra o regime constitucional, agora o seu fundador sabia-se em condições de colher os frutos desse comprometimento. Aos trezentos colonos vindos da Alemanha para trabalharem numa obra, que acreditavam tão divina quanto tóxico seria o papel de jornal que evitavam como se do Diabo proviesse, Schafer faz crer que a mudança na política chilena decorrera dos resultados das suas muitas orações, razão acrescida para que prosseguissem nesse esforço religioso e facilitassem o sucesso da ditadura de Pinochet.
Manuel Contreras, o chefe da Dina, o equivalente da nossa Pide/DGS, torna-se visita assídua da Colónia, aí se demorando dias a fio. Depressa se percebe o porquê: o autocarro da instituição passa a transportar presos políticos para uma cave onde logo começam a ser torturados. Por cima ficava um atelier de costura e dormitório de crianças que ouvem gritos terríveis a prolongarem-se noite adentro. Paul Schafer e o seu lugar-tenente, Karl Van Den Berg, participam ativamente nesses «trabalhos», comprazendo-se com a dor infligida a quem viam como inimigos a eliminar.
Em agosto de 1974 o próprio Pinochet é recebido com todas as honras e recebe do anfitrião um valioso Mercedes. Mas porque Schafer era suficientemente inteligente para dar um chouriço na mira de ganhar o resto do porco, o ditador atribui à Colónia as concessões para extrair ouro e cobre de áreas próximas. Essa complementação das atividades agrícolas e de produção de armamento com a exploração mineira, não tarda a aumentar exponencialmente os rendimentos de Schafer e seus colaboradores mais próximos. Os demais continuavam escravizados, estimulados pela ideia de remirem os inconfessáveis pecados através do trabalho sem remuneração. E, obviamente, que todas as noites, Schafer continuava a violar os rapazes, que convocava para com ele dormirem.
Em 1976 o assassinato do general Letelier em Washington cria inesperada dificuldade ao regime, que planeara esse atentado: o governo americano promove o embargo de armamento para o exército chileno confrontando Pinochet com a dificuldade de manter operacional o seu exército contra a revolta popular, que sabia a crescer nos barrios altos das principais cidades.
Schafer vem novamente em socorro dos amigos fascistas: através dos contactos na Alemanha consegue que um traficante de armas, antigo SS, as passe a fornecer utilizando para tal os contentores com supostas mercadorias destinadas ao trabalho humanitário da Colónia no Chile. Com a complacência das alfândegas no embarque na Europa e no desembarque em Valparaíso, o exército chileno recebe todo o tipo de armamento desde o mais ligeiro aos mísseis terra-ar com que se moderniza. O líder da Dignidad embolsa comissões e ainda maiores favorecimentos da ditadura a seu respeito. A mulher de Pinochet volta a visitar a Colónia numa altura em que a Amnistia Internacional lança uma campanha para denunciar o papel ativo dos anfitriões na tortura e assassinato de presos políticos.
A Junta Militar desmente essas alegações e o embaixador alemão em Santiago, amigo próximo de Schafer, dá a palavra de honra em como elas não têm qualquer fundamento. Ademais a CSU, braço bávaro da democracia-cristã alemã, manifesta apoio à instituição, que logo toma Franz Josef Strauss, líder como um dos seus mais idolatrados patronos, com direito a cartazes nas paredes dos edifícios.
O cerco internacional começa a apertar-se apesar da ditadura parecer consolidada. Previdente, Schafer dá ordem para desenterrar os presos políticos sepultados nas valas comuns, queimando-os e atirando as cinzas para o rio. Por essa altura um dos dirigentes mais influentes da direita alemã, Norbert Blüm - antigo responsável da Amnistia Internacional -, muda a orientação anterior do partido, instando Pinochet a parar com as torturas e denunciando a Colónia pela cumplicidade com os crimes daquele. Nas páginas da imprensa internacional essas acusações espalham-se rapidamente e só a proteção da ditadura ainda faz tardar o esperado desenlace.
O referendo que derrota Pinochet faz soar todas as campainhas de alarme, porque nada garante a Schafer que continue a usufruir das regalias dos últimos vinte anos. E, de facto, logo que Allwin toma posse em 1991 as isenções de impostos e de taxas alfandegárias são retiradas e há ordem para que o seu hospital seja encerrado.
Os dias da Colónia parecem contados, mas Schafer era osso duro de roer. E a sua queda demorará mais do que os democratas chilenos e alemães esperariam.
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