Uma das melhores séries, atualmente em exibição num dos canais por cabo - «Show me a Hero» - é não só um retrato elucidativo da América perpassada pelas tensões raciais, mas igualmente associável à nossa presente experiência de europeus a contas com um inédito afluxo de refugiados políticos oriundos de uma cultura diferente da nossa.
Baseado num caso real acontecido em Yonkers, um bairro branco de Nova Iorque, é realizado por Paul Haggis e tem David Simon como um dos principais argumentistas. O título remete para uma expressão de Scott Fitzgerald - «Show me a hero and I’ll write you a tragedy» - e, de facto, o jovem presidente da câmara Nick Wasicsko não imagina o pesadelo, que o espera, quando consegue desalojar do cargo um cacique aparentemente inexpugnável.
À partida ele estava contra o projeto imposto por um juiz federal de espalhar por todo o bairro duzentas famílias em habitações sociais. É aliás como opositor a tal possibilidade, que consegue vencer a eleição.
O problema é que a cidade em breve se vê em risco de falir por causa das multas progressivas a que vai sendo condenada, concomitantemente com todas as derrotas nos diversos recursos intentados junto do Supremo Tribunal.
Tendo que optar entre a falência dos sucessivos serviços públicos - desde as bibliotecas à segurança policial, passando pelo fornecimento de água aos munícipes -, e a resistência a que estes o querem obrigar, Wasicsko escolhe a via da racionalidade sujeitando-se ao ruidoso desagrado de quem o elegera.
Haggis, que já em «Crash» nos revelara a estratégia narrativa em mosaico, vai-nos mostrando a realidade complexa de tão explosivo enquadramento social através de um diversificado leque de personagens, que vão do arquiteto que congeminara o programa de integração das famílias pobres no bairro até exemplos distintos que as compõem. Vemos mães solteiras com dificuldades para sobreviverem com as suas crianças, mulheres maduras a contas com doenças incapacitantes, adolescentes cuja irreverência as leva a julgarem possível a felicidade através da exclusiva satisfação dos seus desejos. Mas há sobretudo Mary Dorman, uma mulher branca de meia idade, a quem Catherine Keener dá corpo, que até é uma pessoa estimável, mas não prescinde de ver longe da sua vizinhança esses negros capazes de, com o seu tráfico de droga e toda a delinquência associada, porem em causa o seu sossego. Para além de provocarem a desvalorização da casa onde sempre viveu.
Wasicsko, que se atirara de cabeça para um cargo bastante acima do que recomendaria a sua inexperiência, viverá na permanente angústia de se ver submerso por uma sucessão de acontecimentos sobre os quais é incapaz de conseguir algum controlo.
A metade da série já exibida confirma-a como uma das mais estimulantes do ano dando do exercício do poder político uma outra versão, bastante mais conturbada do que a tão elogiada «Borgen», que ainda anda a poder ser revista na televisão pública. Mas, igualmente, evoca a forte probabilidade de ser quase impossível resistir a uma dinâmica como a que os refugiados da Síria e do Iraque sugere. Quando a racionalidade dos argumentos se confronta com as paixões xenófobas de quem sente medo perante os que são diferentes no tom da pele ou no credo que professam...
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