Há oito anos o universo mediático francês foi agitado pelo caso Mehdi Meklat, jovem jornalista de um blogue e cronista da France Inter, que da breve fama regressou ao anonimato de onde ascendera arduamente, porque foram revelados tweets seus escandalosamente homofóbicos, antissemitas e misóginos.
Sempre apostado em apalpar o pulso ao estado das lutas de classes numa sociedade entre elas dividida, Laurent Cantet representa esse Mehdi em Arthur Rambo, 2021) dando-lhe o nome de Karim D. e a pele de um jovem escritor em vias de conhecer um enorme êxito de vendas com o primeiro livro sobre a própria mãe e a sua luta pela integração num contexto de ostracização racista dos emigrantes.
De passagem, Cantet aproveita para mostrar o apodrecimento dos valores éticos pela utilização de objetos tecnológicos apostados em estandardizarem as reações dos que frequentam as influentes redes sociais. Por ser o rasto deixado nessas redes, que serve de instrumento de desqualificação dos que pareciam bem encaminhados para ascenderem socialmente e voltam a ser empurrados para a condição de origem por serem, de acordo com os cérebros racistas dessa estratégia, o lugar que lhes cabe.
Daí que quarenta e oito horas bastem para Karim D. ir das ovações no centro do palco para os insultos e as ameaças mais veementes. A transição da adulação para o ódio dura só um instante!
Pode-se considerar que, com tão palpitante material (a fachosfera, a rapidez com que se fazem julgamentos sumários e as dificuldades de integração das jovens gerações nascidas na Europa, mas de pais emigrantes), Cantet não tenha mostrado melhor inspiração: se na primeira metade do filme a câmara movimenta-se eloquentemente entre grandes planos e outros de quem, nos transportes públicos, vive agarrado ao telemóvel, o filme vai-se banalizando num drama convencional à medida que se produz o esperado desenlace. Mas convenhamos que, entre um filme assim e os destinados aos trituradores de pipocas não há dúvidas quanto a qual preferir!
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