A Elza deu-mo há mais de vinte anos, por ocasião da sua publicação, mas nunca me dediquei a ler Albas com a merecida atenção. Folheei-o, li esparsamente algumas páginas mas pu-lo de lado para uma maior disponibilidade, que nunca para ele se orientou.
O documentário de Inês Leitão Ninguém como nós conhece o sol (2020) vem lembrar-me algumas razões para o reiterado adiamento dessa leitura: embora fosse inteligente e muito culto, Dinis Gonçalves (verdadeiro nome de Sebastião Alba) desde cedo eximiu-se de acomodada rendição às convenções personificando um espírito libertário, que o levou à prisão durante o período colonial por, em atitude teimosamente pacifista, escusar-se a cumprir os “deveres” militares.
Depois, nos primeiros anos de independência de Moçambique ainda integrou o gabinete de um alto responsável da Frelimo, mas a incapacidade para submeter-se a uma disciplina partidária, depressa vocacionou ao fracasso essa possível opção de vida.
Virando costas à família - embora alegrassem-no os reencontros com os irmãos! -, foi escrevendo uma caótica obra literária em suportes precários, muitos dos quais se perderam. Até porque, a exemplo das aves de arribação, nunca ficava muito tempo no mesmo sítio, numa existência de sem abrigo andrajoso, que surpreendia quem o não conhecia pelo tom de voz doce e vocabulário de quem, mesmo se quisesse, não poderia iludir a educação recebida e a cultura que a consolidara.
Atropelado em Lisboa só foi identificado na morgue semanas depois, porque a polícia nem sequer se deu ao trabalho de ler os papéis de que sempre se fazia acompanhar com os contactos da família a quem deveria informar acaso algo lhe acontecesse.
Fim trágico de alguém que interpela quanto à razão, que levou quem tinha capacidade para confortável modo de vida pequeno-burguês a preferir a mais despojada liberdade.
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