Na polémica sobre qual a versão mais interessante do quadro pintado por Vermeer na juventude, e ao qual a restauração, apresentada em 2020, devolveu a imagem de Cupido originalmente existente na parede por trás da rapariga, que lê uma carta à janela, não sei qual escolher.
Indubitável existir essa figura alegórica no quadro do pintor holandês e que as análises com recurso à imagiologia confirmam só dele ter sido apagada já ele há muito desaparecera do mundo dos vivos. Por uma questão de fidelidade ao artista e até por dar leitura mais precisa à sua intenção, parece óbvia ser essa a opção mais legítima.
Acontece que, desde a recuperação do injusto esquecimento em que Vermeer caíra, sempre conhecêramos o quadro com a parede lisa por trás. E, convenhamos que melhor sobressai assim a figura nele representada. Sem a distração do querubim é quase exclusivamente nela, que recai o nosso olhar. Efeito, igualmente, conseguido com a cortina que, nesse início do século XVIII, passou a ser tão frequente na pintura flamenga ocultando motivos, que pudessem distrair os espetadores para quanto os artistas pretendiam valorizar.
É possível que o autor do desvirtuamento da obra original tenha pretendido isso mesmo: sujeitando-se aos imperativos da sua época (provavelmente algures no século XIX, quando o quadro estava na corte do rei da Polónia e eleitor de Dresden) tenha pretendido essa valorização da rapariga indo ao encontro do que Vermeer fizera com muitos dos seus quadros posteriores: facilitar o olhar sobre a obra, dela secundarizando o que não seria essencial. E, de facto, olhando para ela como agora se nos apresenta, convirá reconhecer que a rapariga algo se dilui no quarto em que lê a carta à janela...
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