quarta-feira, setembro 25, 2024

Histórias Exemplares (XIL): Registar o que há na memória enquanto ela dura

 

1. Nem sequer o facto de ser cuidador da Elza, e por isso mostrar-me mais tentado a encarar com compaixão quantos se veem a braços com a trágica realidade das demências, me leva a aceitar a tentativa de desculpabilização de António Lobo Antunes a propósito do que disse sobre José Saramago.

João Céu e Silva di-lo irreconhecível, até já dissociado do identitário vício do cigarro, mas a realidade vai-me dando conta de uma circunstância: a doença tende a aprofundar o que já era característico da personalidade de quem a sofre. Por isso a Elza revela uma doçura comovente e premeia os amigos com contagiante sorriso, porque sempre para eles foi atenciosa e prestável.

No caso do sempre preterido candidato ao Nobel o testemunho dos que lamentam o seu estado (e também eu o subscrevo!) não iludem a confirmação daquela constatação, mas na outra face da moeda. O azedume de que dava contas quando denegria a escrita do autor de Memorial do Convento não pode justificar-se apenas pela doença: esta apenas o incrementou...

2. Se há quem perca a memória, e abandone a escrita, há quem, por estes dias, no-la confie sob a forma de livros acabados de sair das máquinas de impressão e pelos quais podemos conhecer melhor os passados vividos por quem os assina.

Em Bambino a Roma Chico Buarque dá conta da Itália dos inícios dos anos 50, quando o pai foi aí lecionar numa universidade. Já li os quatro primeiros capítulos e são excelentes: sem floreados, ele dá-nos a conhecer uma época distante em que tudo era tão diferente. E que nos ajuda a compreender as circunstâncias em que cresceu e se tornou num dos mais respeitados intelectuais do nosso tempo.

Por seu lado Fernando Pereira Marques  conta-nos a História da LUAR, movimento político a que pertenceu e onde militavam homens de indómita coragem como foi o caso de Hermínio da Palma Inácio.

Embora nunca me tenha sentido tentado a integrar essas hostes também fui um jovem adolescente imbuído do desejo da revolução (socialista), que dá título à obra. E, por ela, ficamos a saber mais sobre aquela que foi a época mais exaltante das nossas vidas. Ou não tenha sido no seu decurso que eu e a Elza decidimos juntar os trapinhos para sempre... 

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