sexta-feira, junho 02, 2023

A relação complexa de Le Clézio com a cidade natal

 

Amor e ódio é o que Jean Marie Gustave Le Clézio sente por Nice, a cidade onde nasceu em abril de 1940, quando a família de origem bretã, mas instalada na ilha Maurícia desde o século XVIII, se exilou no início da Segunda Guerra Mundial.

Nobel da Literatura há quinze anos encontramos esse espaço natal a servir-lhe de cenário às narrativas em, pelo menos, duas obras: em Le Procès-verbal (1963), primeiro romance com que logo se viu galardoado com o prestigiado Prémio Renaudot, e na coletânea de novelas Mondo et autres histoires (1978).

Adam Pollo e Mondo permitem-lhe dar da cidade um olhar moderno sem cedência aos estereótipos com que outros a descreveram. E constituem alter egos do adolescente solitário, que percorria o Passeio dos Ingleses e o imbrincado labirinto da urbe, buscando um sentido para aquilo que dificilmente parecia ter.

O primeiro anda a fugir de algo numa obsessão paranoica em que o perigo espreita a cada instante. O segundo é um emigrante, que estranha o cenário consumista das montras da cidade e encontra maior empatia nos mendigos ou artistas ambulantes com quem se cruza até encontrar uma espécie de coio protetor no jardim abandonado de uma vivenda da periferia. Mas, quer Adam, quer Mondo, acabam as suas deambulações à beira-mar como que confirmando a vocação viajante de quem os imaginou e fez seus personagens como reflexo de si mesmo. Aquele que dali partiu para ficcionar tantas e tão diversas geografias. 

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