Não fosse o Nobel e dificilmente me sentiria tentado a descobrir o universo literário de Abdulrazak Gurnah, mesmo sabendo-o relacionado com Zanzibar, que continua a ser um dos mais fascinantes sítios onde pousei os pés. É que, sabendo-o exilado da terra natal por não se identificar com os rumos revolucionários do período pós-independência, emitiria a seu respeito fundamentadas dúvidas. Injustas, está-se bem a ver que sim, porque Junto ao Mar revela-se uma fascinante abordagem desse período histórico em que houve quem beneficiasse da viragem política para reverter as injustiças de que fora alvo durante o período colonial.
Numa pequena cidade costeira de Inglaterra dois personagens de gerações distintas - o velho Saleh Omar e Latif Mahmud, que o reconhece como causador da ruína da sua família -, olham para esse passado turbulento em que ter origem árabe, ou a tez negra, poderia justificar aleatórios versos e reversos da História. Que se exprimem em duas versões distintas, porque assim a têm esse velho apostado em garantir exílio para os seus anos crepusculares e o interlocutor, mais jovem, a quem os serviços sociais britânicos incumbem de conhecer a biografia e as motivações desse recém-chegado ao aeroporto de Gatwick dotado de um falso passaporte e dizendo-se incapaz de falar ou entender o inglês.
É esse recém-chegado quem, logo a começar o romance, confessa a frequente e inesperada evocação do perfume da ilha, quando dela já está tão distante...
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