1. Existe alguma relação causa-efeito entre a forma como foi encontrado o corpo da mãe de René Magritte e os quadros em que as personagens aparecem com tecidos a obscurecerem-nos a revelação dos seus traços? De facto terá sido assim - o rosto tapado pela camisa de dormir com que se fora afogar no rio perto de casa - que o rapaz de catorze anos lhe terá conservado a derradeira imagem.
Treze anos depois quando, em 1925, aderiria ao surrealismo, talvez nele buscasse resposta para os mistérios íntimos, que sabia inerentes à própria existência. E que não ignorariam as contradições de um espaço natal dividido entre duas línguas e outras tantas culturas. Talvez por isso os rostos, mesmo quando descobertos, são sempre inexpugnáveis quanto às suas emoções. E ninguém dele conseguia uma explicação para o conteúdo do que pintava apesar de muitos dos seus títulos (Ceci n’est pas une pipe é exemplo lapidar!) suscitarem efeitos desconcertantes nos que os tentavam interpretar.
Porque constituiu uma espécie de síntese de sua obra, talvez valesse a pena olhá-la nas enormes pinturas com que revestiu as paredes do casino de Knokke-le-Zout, estância balneária flamenga onde se atardava a olhar para o infinito horizonte e para as nuvens, que lhe sugeririam muitos dos trompe l’oeil vertidos para os seus quadros. Porque estão lá todos os motivos e personagens da obra, desde a icónica maçã (depois adotada para símbolos dos Beatles ou da Apple) até à inquietante forma como sempre gostou de reproduzir um cenário noturno.
2. Mistério é o que não sobra da visão do filme realizado por Aysun Bademsoy sobre os crimes neonazis perpetrados entre 2000 e 2007 e que vitimaram oito comerciantes turcos, um grego e uma polícia alemã.
Crimes neonazis du NSU é particularmente revoltante no facto das autoridades alemãs terem mantido anos a fio uma linha de investigação, que explicaria esses crimes como relacionados com tráfico de drogas e guerras entre gangs de emigrantes, ignorando as claras motivações racistas que, desde o início, poderiam explica-los. Não tivesse falhado um assalto a um banco com que o grupo de assassinos se financiava, e nada se saberia sobre grupos de fanáticos dispostos a assassinarem como forma de darem vazão ao seu ódio aos estrangeiros. E, mesmo em retrospetiva, as famílias das vítimas sentem-se injustiçadas por terem saído em liberdade muitos dos militantes clandestinos dessa organização criminosa. Em aparência é todo o aparelho judicial e policial alemão, que parece estranhamente comprometido com quem se furta a cumprir os pressupostos antinazis da constituição alemã!
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